Opinião

Gás renovável: agora é a vez da distribuição de gás canalizado

As distribuidoras de gás canalizado precisam estar organizadas para operarem com grande diversidade de combustíveis gasosos

Por Cid Tomanik

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Atualmente, há uma grande pressão pela utilização e consumo de produtos com pegada ecológica. Assim, novos produtos gasosos começam a surgir no mercado, tais como biogás, biometano, hidrogênio verde, metano sintético, entre outros.

A história do gás canalizado no Brasil teve início com Irineu Evangelista de Souza, mais conhecido como Barão de Mauá, ao celebrar com o ministro da Justiça à época, Eusébio de Queiroz, no dia 11/3/1851, um contrato de concessão por 25 anos, por meio do qual obteve exclusividade de exploração e recebeu prazo de quatro anos para implantar a iluminação pública a gás na cidade do Rio de Janeiro. [i]

No Estado de São Paulo o gás canalizado teve início em 28/8/1872, quando a empresa inglesa San Paulo Gas Company foi autorizada a atuar no Brasil.

Assim, desde o século XIX, vários produtos foram movidos pelas redes de distribuição, tais como gás obtido pelo craqueamento catalítico da nafta, gás obtido por meio da queima de carvão, gás de hulha e gás de hidrogênio carbonado. Somente na década de 1980 começou a distribuição do gás natural.

Em 15 de agosto de 1995, a Emenda Constitucional nº 5 alterava o parágrafo 2º do art. 25 da Constituição Federal, retirando do texto constitucional a exclusividade de empresa estadual na exploração da distribuição de gás canalizado, passando a vigorar com a seguinte redação:

§ 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.

Com a referida Emenda Constitucional, as concessões de serviços públicos de exploração de gás canalizado passavam a atender aos termos do art. 175 da Constituição Federal: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Em 1997, foi celebrado o Contrato de Concessão de Serviços Públicos de Distribuição de Gás Canalizado – CEG RIO[ii]. Assim,  a Concessionária foi autorizada a distribuir, por meio de canalizações, gás liquefeito de petróleo, além do gás natural.

CLÁUSULA PRIMEIRA

OBJETO DO CONTRATO

O objeto do presente contrato é a exploração, pela CONCESSIONÁRIA, dos serviços públicos de distribuição de gás canalizado no Estado do Rio de Janeiro, cujos termos da concessão foram aprovados pelo Decreto nº 23.227, de 12 de junho de 1997, publicado no Diário Oficial do Estado, parte II,  p. 1, edição de 13 de junho de 1997.

§ 1º. A concessão objeto deste contrato compreende:

a. a distribuição de gás natural, através de canalizações; e

b. o desempenho de atividades correlatas, compatíveis com a natureza do serviço referido na letra “a” acima.

§ 2º. Fica a CONCESSIONÁRIA autorizada a distribuir, através de canalizações, gás liquefeito de petróleo.

[...]

Nos Contratos de Concessão da Ceg Rio e Ceg, atuais Naturgy, constam a obrigação de distribuírem as duas espécies de gases (GLP e gás natural), ambas na forma canalizada em áreas do estado do Rio de Janeiro.

Em meados de 2022, a concessionária de distribuição de gás canalizado do noroeste do estado de São Paulo, a Gás Brasiliano Distribuidora S/A[iii], concluiu as obras de construção da rede de distribuição de gás canalizado exclusivamente para biometano.

Com a parceria entre a concessionária e a Usina Cocal, até 25 mil m³/dia de biometano poderão ser distribuídos pela rede de aproximadamente 51 km, que interligará a fonte de suprimento (Usina Cocal, localizada em Narandiba-SP) ao futuro mercado consumidor nos municípios de Narandiba, Pirapozinho e Presidente Prudente. São mais de 14,5 km de tubulação em polietileno para a conexão aos mercados industrial, comercial, residencial e veicular, localizados nas áreas urbanas desses municípios.

A diversidade na movimentação de produtos gasosos pela rede de distribuição abre o leque de possibilidades para as distribuidoras e para o mercado.

A expressão “gás canalizado” não é sinônimo do produto “gás natural”.  A expressão “gás canalizado” é empregada para designar o serviço de movimentação de qualquer fluído em estado gasoso (tais como gás natural, biometano, biogás, hidrogênio, gás liquefeito de petróleo, nafta, entre outros), através de tubulações com destino aos consumidores finais. Tal expressão é conceituada em normas gasistas de vários países, como por exemplo gas utility, gas service,  gaz canalisé, etc.

Portanto, os serviços de gás canalizado não abrangem somente a movimentação do produto “gás natural”, mas também outros combustíveis gasosos que se destinem aos consumidores finais.

A Legislação Espanhola[iv] do setor de hidrocarbonetos prevê a distribuição de GLP por canalização:

Artículo 94. Tarifas de los gases licuados del petróleo por canalización.

El Ministro de Industria, Turismo y Comercio, previo Acuerdo de la Comisión Delegada del Gobierno para Asuntos Económicos, podrá dictar las disposiciones necesarias para el establecimiento de las tarifas de venta de los gases licuados del petróleo por canalización para los consumidores finales, así como los precios de cesión de gases licuados del petróleo para los distribuidores de gases combustibles por canalización, estableciendo los valores concretos de dichas tarifas y precios o un sistema de determinación y actualización automática de las mismas, si así se requiere y en los términos que se establezcan por el desarrollo reglamentario que regule el marco de la actividad de suministro de gases licuados del petróleo.

Em Portugal, a empresa Galp[v] distribui GLP na forma canalizada:

Quais as vantagens do GPL Canalizado?

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Nem todo produto gasoso pode ou poderá ser movimentado através de dutos (redes) de distribuição.

Segundo a regulamentação federal, cabe exclusivamente à União, conforme previsto na Lei nº 9.478/1997, Lei do Petróleo[vi], especificar a qualidade dos derivados de petróleo, gás natural e seus derivados e dos biocombustíveis.  Nesse sentido, a qualidade e a especificação dos produtos gasosos comercializados e distribuídos no território nacional são de competência regulatória da ANP.

A Resolução ANP Nº 16/2008[vii] traz esta regulação:

Art. 1º Fica estabelecida no Regulamento Técnico ANP parte integrante desta Resolução, a especificação do gás natural, nacional ou importado, a ser comercializado em todo o território nacional.

Art. 2º Empresas ou consórcios de empresas que exerçam as atividades de comercialização e transporte de gás natural no País, isto é, carregadores e transportadores bem como as empresas distribuidoras deverão observar o disposto no Regulamento Técnico em anexo.

Parágrafo único. A comercialização e o transporte de gás natural de especificações diversas daquela indicada pelo Regulamento Técnico em anexo são permitidos, desde que respeitadas as condições de entrega acordadas entre todas as partes envolvidas e os limites de emissão de poluentes fixados pelo órgão ambiental ao qual caiba tal atribuição.

Para o biometano, a ANP estabelece, por meio de Resolução[viii], a especificação e as regras para aprovação do controle da qualidade daquele que for oriundo de aterros sanitários e de estações de tratamento de esgoto, destinado ao uso veicular e às instalações residenciais, industriais e comerciais e demais obrigações a serem atendidas pelos agentes econômicos que comercializam o produto no território nacional. E outra Resolução[ix] da ANP estabelece as especificações do biometano, oriundo de produtos e resíduos orgânicos agrossilvopastoris e comerciais, destinado ao uso veicular e às instalações residenciais e comerciais, para ser comercializado em todo o território nacional.

À leitura do dispositivo constitucional § 2º do art. 25 da Constituição Federal, verifica-se que não há especificação do produto gasoso. A expressão “gás canalizado” se traduz como o serviço de movimentação de qualquer fluído em estado gasoso, através de tubulações com destino aos consumidores finais. Para tanto, qualquer produto gasoso a ser distribuído de forma canalizado deverá atender à regulamentação da ANP.

Portanto, as empresas distribuidoras de gás canalizado e as agências reguladoras estaduais, por meio de seus colaboradores, têm a missão de buscar capacitação profissional para desenvolver e ampliar habilidades e conhecimentos em todos os produtos gasosos, os quais, no futuro próximo, deverão ser distribuídos em dutos estaduais.

 

[i] http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/9377626/4347502/AiluminacaopublicanaCidadedoRiodeJaneiro.pdf  Acesso em: 10/7/2023.

[ii] file:///C:/Users/cidto/Downloads/374_531_ContratodeConcess%C3%A3oCEGRIO.pdf – Acesso em: 10/7/2023.

[iii] https://www.gasbrasiliano.com.br/noticias/releases/gasbrasiliano-finaliza-obras-do-projeto-cidades-sustentaveis-na-regiao-de-presidente-prudente-sp-1/ – Acesso em: 10/7/2023.

[iv] Ley 34/1998, de 7 de octubre – del sector de hidrocarburos – https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-1998-23284 – Acesso em: 10/7/2023.

[v] Website Galp – https://casa.galp.pt/energias/gas-propano-canalizado – Acesso em: 10/7/2023.

[vi] LEI Nº 9.478, DE 6 DE AGOSTO DE 1997 – Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm – Acesso em: 10/7/2023.

[vii] Resolução ANP Nº 16 de 17/6/2008 – Estabelece a especificação do gás natural, nacional ou importador, a ser comercializado em todo o território nacional – Acesso em: 10/7/2023. https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=109588 – Acesso em: 10/7/2023.

[viii] Resolução ANP nº 886, de 29 de setembro de 2022 – https://atosoficiais.com.br/anp/resolucao-n-886-2022-estabelece-a-especificacao-e-as-regras-para-aprovacao-do-controle-da-qualidade-do-biometano-oriundo-de-aterros-sanitarios-e-de-estacoes-de-tratamento-de-esgoto-destinado-ao-uso-veicular-e-as-instalacoes-residenciais-industriais-e-comerciais-a-ser-comercializado-no-territorio-nacional?origin=instituicao – Acesso em: 10/7/2023.

[ix] Resolução ANP nº 906, de 18 de novembro de 2022 – https://atosoficiais.com.br/anp/resolucao-n-906-2022-dispoe-sobre-as-especificacoes-do-biometano-oriundo-de-produtos-e-residuos-organicos-agrossilvopastoris-e-comerciais-destinado-ao-uso-veicular-e-as-instalacoes-residenciais-e-comerciais-a-ser-comercializado-em-todo-o-territorio-nacional?origin=instituicao – Acesso em: 10/7/2023.

 

Cid Tomanik é consultor jurídico e regulatório em Energia e utilities do Tomanik Martiniano Advogados e escreve na Brasil Energia a cada três meses

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