Opinião

Distribuidora Estatal de Gás Canalizado com Concessão

A situação de empresa de economia mista, titular de contrato de concessão, regulada e fiscalizada por agência reguladora não encontra amparo legal

Atualizado em

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Quando da promulgação da Constituição de 1988, o parágrafo segundo do artigo 25 previa que caberia aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, a empresa estatal com exclusividade de distribuição, os serviços locais de gás canalizado.

Em 1989, o Governo do Estado da Bahia, estimulado pela redação do preceito constitucional supra: “criar a Companhia de Gás da Bahia – Bahiagás, com sede e foro na cidade do Salvador, Capital do Estado da Bahia, e vinculada à estrutura da Secretaria das Minas e Energia, destinada a promover a exploração, produção, aquisição, armazenamento, transporte, transmissão, distribuição e comercialização de gás combustível e de subprodutos e derivados, observada a legislação federal pertinente e de acordo com a evolução tecnológica, o desenvolvimento econômico e as necessidades sociais, integrando-se com as demais fontes de energia”.

O Estatuto Social da citada Companhia estabelece que se trata de sociedade anônima de economia mista que teve a sua criação autorizada pela Lei Estadual nº 5.555 de 13 de dezembro de 1989 e que se regerá por estes estatutos, pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 — Lei das Sociedades Anônimas e demais dispositivos legais aplicáveis à espécie.

O Governador do Estado da Bahia, pelo Decreto Estadual BA nº 4.401 de 12/03/1991, autoriza a Companhia de Gás da Bahia – Bahiagás, a explorar os serviços de gás canalizado em todo o território do Estado da Bahia, com exclusividade de distribuição, pelo prazo de 50 anos, prorrogáveis. As condições de concessão serão objeto de contrato entre o Estado e a Bahiagás, que deverá ser assinado dentro dos próximos 180 dias. O Contrato de Regulamentação da Concessão para Exploração Industrial, Comercial, Institucional e Residencial dos Serviços de Gás Canalizado no Estado da Bahia foi celebrado em 6/12/1993.

Na década de 90, as concessões para exploração dos serviços locais de gás canalizado eram outorgadas às empresas estatais, públicas ou de economia mista.

A situação começou a mudar. De autoria do então Senador Fernando Henrique Cardoso, o Projeto de Lei do Senado nº 179/1990 dispôs sobre o regime de prestação de serviços públicos pela iniciativa privada, previsto no artigo 175 da constituição, e regula a concessão de obra pública. O referido PLS tramitou na Câmara dos Deputados por meio do Projeto de Lei nº 202/1991. O Projeto gerou a norma Lei nº 8.987 de 13/2/1995, que dispôs sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal e dá outras providências. (A Lei Geral das Concessões de Serviços Públicos.).

A Emenda Constitucional (EC) nº 5, de 15/8/1995, altera a redação do parágrafo 2º do art. 25 da Constituição Federal, que passou a vigorar do seguinte modo: “Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação”.

A EC supra serviu para elucidar o papel do Estado na distribuição de gás canalizado, tanto na exploração direta ou mediante concessão. A concessão, nesse caso, era o meio de descentralização das atividades estatais.

Com fundamento no inciso “II” do Artigo 2º da  Lei Geral das Concessões de Serviços Públicos (“a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”), os Estados do Rio de Janeiro (1997) e de São Paulo (1999) utilizaram desse Instituto para a descentralização da exploração dos serviços locais de gás canalizado nos respectivos Estados.

Conforme a legislação vigente, podem existir três tipos de distribuidoras de gás canalizado, ou seja: a) sociedade de economia mista (empresa com capital público e privado, criada por lei, para prestação de serviços públicos, revestindo-se de forma de sociedade anônima, mas submissa, em boa parte, em vista do disposto no art. 37 do texto constitucional e ao regime jurídico administrativo); b) empresa pública (pessoa jurídica de direito privado administrada, com 100% do capital social de propriedade do Estado, criada por lei, para a prestação de serviços públicos); empresa concessionária (empresa de direito privado, que concorreu e ganhou um processo licitatório para prestar determinado serviço público, por tempo determinado).

Entretanto, alguns Estados não se preocuparam em ajustar a natureza jurídica das respectivas empresas distribuidoras à legislação em vigor. Assim, nasceu uma “nova modalidade” de exploração de serviço público de distribuição de gás canalizado, ou seja: a empresa de economia mista, criada por lei estadual, para a atividade de distribuição de gás canalizado, titular de outorga de concessão e expedida pelo próprio Estado. E ainda, fiscalizada por Agência Reguladora Estadual.

Em decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos da Apelação Cível nº 70038463063 de 6/4/2011 da Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul contra sentença que julgou improcedente o pedido articulado não declaratória ajuizada contra a Agência Estadual de Regulamentação dos Serviços Públicos Delegados do Estado do Rio Grande do Sul, porquanto indevida a cobrança da denominada Taxa de Fiscalização pelo exercício do poder de polícia dos anos de 1998 e 1999, bem como a progressividade de referida taxa, tendo por parâmetro a capacidade contributiva do contribuinte, o Ilustre Desembargado Sr. Irineu Mariani, em seu relatório, explica e esclarece que:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE SERVIÇOS DIVERSOS. AGERGS. PRETENSÃO DE COBRANÇA DA SULGÁS. DESCABIMENTO. 1. A competência da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS - AGERGS é restrita aos serviços delegados (Lei-RS 10.931/97, art. 3º, caput). Entende-se por serviço delegado aquele objeto de concessão mediante licitação (art. 175 da CF, c/c o art. 2º, II, da Lei-BR 8.987/95). Tal não é o caso da Companhia de Gás do RS - Sulgás, sociedade de economia mista, criada pelo Estado para, de modo descentralizado, prestar o serviço de distribuição de gás canalizado; logo, não deve a taxa de serviços diversos à Agência Reguladora. Consta no art. 3º, parágrafo único, alínea "i", da Lei-RS 10.931/97, competência da citada Agência para regular a distribuição de gás canalizado, mas isso ocorre apenas pelo princípio da eventualidade, isto é, para o caso de o Estado resolver delegá-lo. 2. Apelação provida. (Apelação Cível, Nº 70038463063, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em: 06-04-2011).

O Egrégio TJRS entendeu que a competência de regulação é restrita aos serviços públicos delegados, seja de competência originária do próprio Estado, seja de competência originária de entes federados, por sua vez, delegados ao Estado.

Se a Empresa distribuidora não exerce a atividade por delegação do Estado, então é o próprio Estado agindo por meio da administração indireta ou descentralizada. Logo, não está abrangida pela competência da Agência Reguladora.

Portanto, o serviço de distribuição de gás canalizado que não for fundamentado nos princípios trazidos pela Lei nº 8.987/1995, o próprio Estado estará prestando o serviço por meio de administração descentralizada. Assim, a situação de empresa de economia mista, titular de contrato de concessão, regulada e fiscalizada por agência reguladora não encontra amparo legal, pois tal situação não está previsto no ordenamento jurídico brasileiro.

 

 

 

Cid Tomanik é consultor jurídico e regulatório em Energia e Utilities do Tomanik Martiniano Sociedade deAdvogados

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