Opinião

Desafio da mão de obra qualificada para OG e Renováveis

Desde 2017 vivenciamos no país um vale duradouro de demanda de mão de obra qualificada: não só as de nível superior, mas em nível básico e técnico, afetando diversas áreas econômicas, especialmente o setor de Petróleo e Gás Natural.

Por Wagner Victer

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Além da grande desmobilização de profissionais que já estavam treinados, alguns foram, de maneira compulsória, indo para aposentadoria em planos denominados “de incentivo”, que forçavam a retirada desses profissionais do mercado. Além disso, a desmobilização das principais estatais do Setor Elétrico criou movimento semelhante nesse segmento sem que fosse acompanhado de um processo estruturado de transferência de conhecimento para as novas gerações.

Todo esse fenômeno da economia gerou um sinal muito negativo para os jovens talentos na fase da vida em que escolhem seu setor, e o mau exemplo foi amplificado nos últimos 10 anos com a associação das atividades relativas ao setor de óleo e gás e energia como sendo "atividades poluidoras", que estavam em "franco declínio". Isso não desperta um olhar de futuro para os novos profissionais.

Lembro que quando conversava com jovens do interior do Estado, recomendando cursarem o Técnico em Petróleo e Gás que uma instituição federal oferecia, o IFF de Cabo Frio, recebi o seguinte questionamento: Qual a razão para ir para esse setor, já que o petróleo "iria acabar" e com isso não teriam futuro naquela profissão?

A pergunta, apesar de parecer, não era ingênua partindo de um adolescente, potencializado por um mantra que se turbinou recentemente devido às políticas de ESG que indicavam esse setor como não promissor.

O mais interessante é que essa percepção chegava até para o planejamento pedagógico, já que essa própria instituição, que era uma das pouquíssimas que oferecia essa formação em Técnico de nível médio integrado, no Rio de Janeiro, resolveu também descontinuar e substituí-la por outra formação técnica, porém não diretamente associada às atividades de petróleo e gás.

O fenômeno também se percebe na medida do baixo número de pessoas que se direcionam desde a sua formação em nível de graduação visando o setor de petróleo, gás e energia. No ano de 2023 estive participando de uma cerimônia de formatura da tradicional Politécnica de Engenharia da UFRJ e vi pouquíssimos alunos se graduando em Engenharia de Petróleo e em Engenharia Naval e Oceânica, cursos diretamente associados aos setores de óleo. Na universidade de hoje muitos já saem sonhando em atuar no mercado financeiro ou buscam realizar sua graduação em outros países ou rumar para o exterior para trabalho ou especialização.

A não mobilização de talentos desde a raíz formativa na educação básica para esse setor não gera somente um gap qualitativo em curto prazo, mas dificulta, em médio prazo, a formação de jovens talentos executivos necessários para desenvolver a dinâmica de renovação desses segmentos.

Especialmente no setor de energias renováveis, já se percebe que muitas consultorias que trabalham na captação de executivos para o setor já estão buscando tais profissionais no setor de telecomunicações, diante de certa sinergia tecnológica, o que certamente acaba sendo mais um elemento indicativo de que algo precisa imediatamente ser reorientado.

No âmbito das profissões de formação básica, importantes entidades como a Abemi, o Sinaval e a Abespetro, entre outras, já identificam a falta de profissionais devidamente qualificados para atividades básicas e tradicionais, como soldadores, eletricistas industriais e até montadores de andaimes. Até certificações básicas exigidas como NR 10, NR 33 , NR 34 e NR 35 entre outras perderam a validade e não possuem renda para a sua obtenção ou até renovação.

Aliás, recentemente fiquei abismado em uma conversa com um gestor de um estaleiro voltado a corte de embarcações para produção de sucata da dificuldade que estava tendo para contratar profissionais habilitados como maçariqueiros.

Como mais um exemplo de desestruturação da rede formativa tivemos, na própria área de qualidade, a descontinuidade do tradicional Setor de Qualificação e Certificação (Sequi), desenvolvido pela Petrobras no passado em São José dos Campos, gerando uma perda de referência histórica para formação e certificação de profissionais voltados às áreas de montagem industrial, como tradicionais Inspetores de Soldas, Inspetores de Dutos e de Equipamentos Industriais. Hoje, após certificação pelo Inmetro, começam a ser compensados na oferta por entidades como a FBTS (Fundação Brasileira de Tecnologia da Soldagem).

Todo esse trabalho para formação básica de profissionais descontinuou o excepcional esforço de qualificação de mão de obra desenvolvido pelo Promimp, implantado há 20 anos graças a políticas públicas orientadas para garantir as cláusulas de Conteúdo Local presentes nos contratos de concessão gerenciados pela ANP.

A descontinuidade não “jogou todo o trabalho fora”, pois também oferece uma oportunidade para a busca desses profissionais que se afastaram, muitas vezes realizando atividades totalmente distantes das que atuaram, para um amplo processo de requalificação de mão de obra, com uma curva de aprendizagem mais rápida do que foi no passado.

Da mesma forma, existem ações importantes que já foram adotadas como a recriação, em 2023, da Universidade Petrobras (UP), estranhamente descontinuada. A UP tinha sido referência de sucesso durante décadas como centro corporativo de excelência para formação de mão de obra não só para a própria empresa, mas indiretamente para o próprio mercado do setor petróleo após a abertura realizada pela Lei 9478/97. Aliás, o crescimento do número de Institutos Federais de Formação Tecnológica (IFs) se somou aos tradicionais Senais como vetores positivos para desenvolver as novas políticas estruturadas de qualificação profissional.

Existem oportunidades imensas e recursos disponíveis para utilização das chamadas “verbas de P&D” gerenciadas pela ANP, Aneel e o próprio Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação através da Finep. Diante do programa Nova Indústria Brasil, recentemente colocado pelo Governo Federal, esse diagnóstico já está claro e indicará as diversas linhas de ação para compensar o vale criado e capacitar para os desafios futuros.

No campo da energia renovável, que cresceu muito nos últimos anos, há características próprias e específicas na formação profissional. Observamos poucas universidades formando profissionais com tal foco, voltado ao desenvolvimento de projetos, empreendimentos e pesquisas diante dessa demanda crescente no país e no mundo.

O nocivo vale de demanda surgido no país também criou um fenômeno preocupante. Muitos profissionais especializados foram absorvidos por outros países que acertadamente criaram políticas para recepção de profissionais formados, qualificados e extremamente treinados na indústria óleo e gás do país. Buscar repatriar esses talentos com políticas públicas direcionadas é tema que requer atenção como oportunidade.

Esse é um desafio que cada vez mais estará presente nas discussões que teremos a frente da retomada do crescimento do país. A área de Recursos Humanos tem essa missão. Não se deve somente esperar por políticas públicas, mas também por políticas empresariais e locais mais agressivas, que também envolvam os diversos níveis de poderes e em especial as próprias organizações de médio porte, pois a atração e desenvolvimento  de mão de obra qualificada e de  talentos se tornará, cada vez mais, ou uma lacuna ou uma oportunidade para  galgar um diferencial de maior competitividade global.

 

Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e ex-Conselheiro do CNPE.

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