Opinião

Novos horizontes para a energia nuclear

A crescente identificação da qualificação da energia nuclear como sendo energia limpa e descarbonizada se torna um elemento extremamente importante no cenário internacional e traz reflexos para países como o Brasil.

Por Wagner Victer

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A ponta ambiental relativa ao processo de descarbonização tem focado especialmente na questão das reduções das emissões. A área de geração de energia tem cada vez mais participado dessas discussões, que viraram tema presente em todas as políticas públicas nos planos de sustentabilidade de empresas de energia.

Um dos temas que sugere ter um grande movimento em processos decisórios, até em função de um novo Governo Federal mais comprometido com a diversificação da matriz energética nacional, associada à geração de empregos e consolidação de tecnologias locais, será a energia nuclear, em função da não emissão de gases de efeito estufa.

A reflexão para o tema em âmbito internacional recebeu muita força quando, há menos de um ano, o Parlamento Europeu avalizou a Comissão Europeia, por 328 a 278 votos, que permitiu que os investimentos em energia nuclear sejam classificados como fonte de "energia verde".

A histórica e forte participação dessa fonte de geração de base nuclear em países da Europa como França, Bélgica, Inglaterra e a própria Alemanha, recebeu uma releitura em função da crise do conflito Ucrânia/Rússia, onde se apresentou a necessidade de se buscar a verticalização aos processos energéticos em países, reduzindo, por caráter estratégico, sua fragilidade em relação a fontes e insumos oriundas de países e regiões onde uma presença geopolítica mais conturbada possa gerar fragilidades, como se vê atualmente. A expectativa da "Aliança Nuclear Europeia”, que congrega 16 países membros, é de que a capacidade da geração nuclear na UE poderia ser ampliada em 50% até o meio desse século com a construção de 30 a 45 reatores.

O fato é que o Brasil, na questão da energia nuclear, sinaliza com a retomada das obras da Usina Nuclear de Angra 3, onde o imbróglio ambiental em discussões com o poder municipal local parece ter sido superado. Mas também a perspectiva de uma nova unidade tem tido previsões bastante claras dentro dos Planejamentos Decenais do Desenvolvimento Energético publicados anualmente pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE.

Nesse novo cenário essa expectativa também sugere que a eventual quarta nova unidade tende a ter sugestões para sua localização no mesmo site de Angra dos Reis, que se favorece por estar no sistema interligado Sudeste/Centro Oeste próximo ao centro de gravidade “geoelétrico” das maiores demandas do país. Tal localização favorece um processo de licenciamento ambiental que demorará ainda muitos anos, mesmo com a possível localização já impactada e mitigada com investimentos já realizados nas outras plantas.

O domínio tecnológico e o conjunto de empresas já localizadas no país proporcionaram uma externalidade positiva que podem qualificar o custo da geração mais elevado em relação a outras fontes, em especial pela possibilidade de operar na base, o que nem sempre é possível em outras fontes de geração renováveis que tem sua intermitência natural.

Do ponto de vista da tecnologia local, o fortalecimento, na última década, da Nuclep como fábrica de equipamentos pesados, atualmente associada à fabricação, pela Marinha do Brasil, de submarinos, e a criação, em curso de uma Agência Reguladora de segurança, além das unidades fabris de enriquecimento desenvolvido pela INB, se associam as reservas elevadas que temos de urânio. Tais fatores favorecem muito essa discussão, que é extremamente importante para a continuidade da diversificação da matriz energética brasileira com fontes de baixa emissão.

A descontinuidade da histórica função estratégica surgida no originário Acordo Nuclear com a Alemanha para uma visão de mera economicidade acontecida através do último governo, parece ter sido bastante equilibrada nas ações dentro de um atual governo central que tem uma visão muito mais programática da questão energética brasileira. O atual governo também sabe a importância da sua diversificação, nesse caso favorecido com um alinhamento na externalidade positiva não só tecnológica, mas por também ser uma geração de energia de forma limpa apesar dos desafios, ainda não equacionados, na questão da destinação final dos rejeitos.

Com a retomada das obras de Angra 3 e com uma estabilidade efetiva da economia brasileira, é de se esperar que nos próximos meses já se faça o anúncio da construção dessa nova quarta usina. É natural que na busca da mitigação de novos impactos ambientais e da apropriação dos custos operacionais já implementados nas outras plantas, a localização da nova usina tenda a ficar no mesmo site em Angra dos Reis.

Um longo debate ainda acontecerá, porém, a crescente identificação da qualificação da energia nuclear como sendo energia limpa e descarbonizada se torna um elemento extremamente importante no cenário internacional e que traz reflexos para países como o Brasil.

 

 

Wagner Victer é engenheiro, administrador, ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e ex-Conselheiro do CNPE. Escreve mensalmente na Brasil Energia.

 

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