Opinião

O mercado futuro de veículos e carregadores elétricos no Brasil: lições aprendidas com EUA e Europa

Mais do que um avanço tecnológico, a transição para os VEs, quando somada às iniciativas de biocombustíveis que já possuímos, representa um passo significativo para o Brasil continuar a ser o protagonista mundial na sustentabilidade na área de energia

Por Wagner Victer

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Nos últimos anos, a indústria automobilística global tem experimentado uma revolução silenciosa. A mudança de veículos movidos a combustíveis fósseis para veículos elétricos (VEs) não é apenas uma tendência, mas uma necessidade para em médio e longo prazo combater as mudanças climáticas e alcançar metas sustentáveis.

Neste contexto, EUA e Europa têm liderado essa corrida, e o Brasil precisa estar bem posicionado para aprender com as experiências do passado e não cometer os erros que ocorreram no exterior, ou mesmo repetir aquilo que já ocorreu na sua própria história. Considerando as unicidades do nosso país, é fundamental que desbravemos nosso próprio caminho rumo à progressiva eletrificação de veículos.

Em 2019, a Europa ultrapassou a China como o maior mercado de VEs, com vendas superando 1,4 milhão de unidades, representando quase 10% do total de vendas de veículos novos. Nos EUA, a venda de VEs representou aproximadamente 2% do mercado automobilístico em 2019. Já em 2022, esse número foi de 5,8%, e com expectativas de crescimento exponencial, à medida que novos modelos e infraestrutura apropriada se tornam mais acessíveis.

No exterior, um dos maiores desafios para a popularização dos VEs tem sido a infraestrutura de carregamento. Sem postos de carregamento acessíveis e eficientes, os consumidores hesitam em fazer a transição, preocupados com a autonomia dos veículos e o tempo de carregamento. É importante ilustrar como isso provoca uma diferença nos hábitos de compra americanos e europeus. A Europa, por possuir uma maior densidade populacional, teve uma adoção muito maior de veículos elétricos que os EUA, um país continental e com grandes áreas vazias entre os centros urbanos. Nos EUA, esse receio de não ser capaz de viajar com seu veículo elétrico é conhecido como “range anxiety”.

Neste contexto, um erro significativo cometido inicialmente na Europa e nos EUA foi a implementação de carregadores de corrente alternada (AC) em postos de combustíveis ao longo das estradas. Estes carregadores, embora mais baratos e fáceis de instalar do que os carregadores de corrente contínua (DC) (carregadores AC podem custar 250 dólares), possuem tempos de carregamento significativamente mais longos, por conta de sua potência que fica entre 7 kW e 22 kW. Como a autonomia de um veículo costuma ser de aproximadamente 4 km por kWh armazenado, isso significa que uma hora carregando te permitiria, no melhor dos casos, andar mais 28 km na estrada.

Em oposição a isso, os carregadores de corrente contínua (DC) são maiores e custam sozinhos pelo menos $10 mil (sem falar no custo de adaptar a infraestrutura do posto e instalar o inversor de corrente). É por isso que, inicialmente, eles foram evitados. Contudo, a potência de um carregador desses fica entre 100 kW e 300 kW, uma ordem de grandeza mais relevante.

Assim, enquanto um carregador AC típico pode levar de 5 a 12 horas para carregar completamente um VE, um carregador DC de alta potência pode fazer o mesmo de 15 a 40 minutos. Imaginar uma parada que exige horas para o carregamento no meio de uma viagem de estrada não é realista para ninguém. Na maioria das vezes, paramos por meia hora em um fast-food e seguimos viagem. Por conta disso, para trazer veículos elétricos em massa para o país é fundamental que existam esses postos DC em vias estratégicas de alta circulação.

Apesar de ainda estar no início de sua trajetória na eletrificação, o Brasil apresenta um potencial imenso. Em 2019, o mercado brasileiro contou com aproximadamente 11 mil veículos elétricos e híbridos comercializados, o que já era um aumento de 228% em relação ao ano anterior. Nesse ano, a estimativa é que sejam feitas 70 mil vendas, um pouco menos de 5% dos cerca de 1,5 milhões de carros emplacados no ano. Este crescimento, embora proveniente de uma base menor, sinaliza o início de uma transformação no panorama automobilístico nacional.

O aprendizado a partir dos erros europeus e norte-americanos é crucial. A estratégia de implementar carregadores AC nas estradas já se mostrou insuficiente em outros mercados, e o Brasil tem a oportunidade de pular esta etapa e focar na instalação de carregadores DC de alta potência, tornando as viagens de longa distância viáveis para VEs. Além disso, é fundamental que os novos modelos de carro sejam compatíveis com esses carregadores, já que o Brasil tem um perfil continental muito mais similar aos EUA do que à Europa.

Esse tamanho continental do Brasil e sua diversidade geográfica e econômica representam tanto um desafio quanto uma oportunidade. A integração de carregadores elétricos nas rodovias e em centros urbanos densos é fundamental. Além disso, o uso de fontes renováveis, como a hidroelétrica, eólica e a solar, para alimentar estes carregadores, pode solidificar o Brasil como líder em transporte sustentável. Vamos lembrar que um veículo elétrico usado nos EUA, Europa ou China na verdade é 18%, 22% e 28% limpo, respectivamente, já que a matriz de geração desses países tem base fóssil. No Brasil, esse número é de 83%.

Um ponto a ser considerado é a formação de parcerias público-privadas para expandir rapidamente a infraestrutura de carregamento, incentivando montadoras, empresas de energia, revendedores e governos locais a colaborarem na construção de uma rede robusta e interconectada.

O Brasil tem uma posição única no cenário global de energias renováveis, não apenas pela sua trajetória ascendente em veículos elétricos, mas também devido à sua longa história com biocombustíveis, como o etanol. Além dos VEs, é essencial considerar o papel significativo desses combustíveis no contexto mais amplo da transição energética brasileira, mesmo tendo total consciência que os combustíveis fósseis continuarão por décadas a ser majoritárias na frota de veículos nacionais.

O Brasil é um líder reconhecido na produção e uso de etanol como alternativa ao petróleo. Desde a década de 1970, com o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), o país vem utilizando o etanol produzido principalmente a partir da cana-de-açúcar. Em comparação com os combustíveis fósseis, o etanol pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 90%. Esta experiência única colocou o Brasil em uma posição favorável para integrar diferentes soluções energéticas renováveis e oferecer opções diversificadas para motoristas.

Outra iniciativa louvável é o programa brasileiro de biodiesel. Nos últimos anos, o Brasil introduziu uma mistura obrigatória de 12% de biodiesel ao diesel, conhecida como B12. O biodiesel, proveniente de fontes como soja, sebo bovino e gorduras residuais, tem se mostrado uma solução viável para reduzir as emissões de carbono e dependência do petróleo.

É claro, não podemos esquecer o papel do gás natural (GNV) como combustível da transição energética. Nos meus 8 anos como Secretário Estadual de Energia do RJ, desenvolvemos uma estratégia robusta para integrar o gás natural na matriz energética do estado. O Rio de Janeiro, possuindo uma das maiores reservas de gás natural do Brasil, tinha a responsabilidade e a oportunidade de liderar esse movimento e conseguiu se tornar a grande referência mundial no uso de GNV.

Naquele período, priorizamos a expansão da infraestrutura de gás natural, facilitando o acesso a regiões antes desprovidas deste recurso. Estabelecemos parcerias com entidades privadas, e criamos incentivos fiscais para empresas investirem na distribuição e pesquisa relacionada aos veículos a gás natural e, principalmente, reduzimos o IPVA dos veículos a GNV de 4% para 1%. Acreditamos que essa abordagem não apenas diversificaria a matriz energética do estado, mas também estimularia a economia local, criando empregos e oportunidades em setores correlatos.

Também investimos em campanhas de conscientização, esclarecendo à população os benefícios do gás natural, como sua eficiência, redução das emissões em comparação a outros combustíveis fósseis e a diminuição da dependência de fontes de energia importadas. Além disso, promovemos a conversão de frotas públicas para veículos movidos a gás natural, demonstrando o compromisso em liderar pelo exemplo.

Outra iniciativa fundamental foi o estímulo à pesquisa e desenvolvimento em tecnologias de armazenamento e distribuição de gás natural. Estabelecemos colaborações com universidades e centros de pesquisa, buscando soluções inovadoras que poderiam posicionar o Rio de Janeiro, e consequentemente o Brasil, como referência global no uso responsável e eficiente do gás natural. No último ano, com a alta dos combustíveis, muitos profissionais cariocas, como Ubers e taxistas, só puderam se manter na estrada graças ao preço mais baixo do GNV em relação à gasolina.

No Brasil, já identificamos movimentos importantes na implantação de tecnologias e bases para carregamento de veículos elétricos. O trabalho da empresa carioca EZ Volt com estações de abastecimento em shoppings e condomínios é admirável. Da mesma forma, estudos da empresa Natural Energia voltados ao desenvolvimento de uma logística para acesso à carregadores é notável tecnicamente.

Ao olhar para o futuro, vemos que o mercado de veículos e carregadores elétricos no Brasil é promissor. Com planejamento estratégico, aprendendo com os erros e acertos de passado, e incentivando inovações locais, o país pode não apenas adotar, mas também liderar em algumas frentes da revolução elétrica. Mais do que um avanço tecnológico, a transição para os VEs, quando somada às iniciativas de biocombustíveis que já possuímos, representa um passo significativo para o Brasil continuar a ser o protagonista mundial na sustentabilidade na área de energia.

 

Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e ex-Conselheiro do CNPE. Escreve mensalmente na Brasil Energia.

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