Opinião

A garantia do direito à conexão à rede é fundamental para o crescimento do biometano

Tanto a ANP quanto as agências estaduais precisam incentivar a integração do biometano na malha de gasodutos, permitindo chegar a todos os usuários de gás natural

Por Bruno Armbrust

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Nos últimos tempos o biometano vem sendo considerado um energético fundamental para se alcançar as metas de descarbonização na União Europeia – UE e se encaixa perfeitamente no denominado “Trilema Energético” que se baseia na i) segurança energética, ii) sustentabilidade e iii) energia acessível.

O biometano vem, portanto, sendo considerado, na UE, um energético chave na solução desse “Trilema” pois, além de contribuir para a redução das emissões, tem um custo razoável, permitindo a sua sustentabilidade econômica e social, e, principalmente, ajudando a diminuir a dependência, na EU, da importação de gás.

O biometano, além de converter resíduos em uma vantagem, como a eliminação das emissões, ainda tem uma produção relativamente estável ao longo do dia e do ano, sem maiores impactos da climatologia e das diferentes estações.

Estudo da Comissão Europeia denominado “Impact of the use of the biomethane and hydrogen potencial on trans-European infrastructure”, realizado em 2020, indicou um grande potencial de incremento na produção de biometano.

Mais recentemente, a Associação Espanhola de Gás - Sedigas publicou novos estudos realizados pela PWC que indicaram que o potencial de biometano poderia ser ainda maior e poderia superar em mais de 30% o volume indicado no estudo da Comissão Europeia, o que poderia levar a Espanha a ser o 2º país na UE, depois da França, na produção de biometano. O potencial de produção de biometano na Espanha e na França permitiriam a esses dois países superarem os objetivos do REPowerEU.

O REPowerEU foi lançado em maio de 2022 pela Comissão Europeia com o intuito de reduzir a dependência dos combustíveis fósseis russos antes de 2030. O programa estabelece, dentre outras ações, a substituição de 10% do consumo de gás natural na União Europeia por gases renováveis até 2030.

O interesse no desenvolvimento de projetos de gases renováveis no mundo vem aumentando substancialmente e o biometano tem recebido, nos últimos tempos, uma grande atenção de investidores e de grandes players energéticos. Recentemente o Goldman Sachs anunciou que pretende investir mais de US$ 1 bilhão para liderar o setor de biometano e dar um salto em suas participações na UE.

Dentro desse contexto se faz importante ressaltar as aquisições recentes de petroleiras como Shell e BP das empresas de biogás, Nature Energia e Archaea, respectivamente. Aqui no Brasil, o Grupo Energisa anunciou, em setembro, sua entrada no mercado de produção e comercialização de biometano com a compra da Agric, e a Compass anunciou um acordo com Orizon para criação de uma joint venture para produção de biometano.

Nos distintos países europeus estão sendo introduzidos diferentes mecanismos e regulações de estímulo ao biometano. Na França, por exemplo, só em 2022, foram colocadas em serviço mais de 500 plantas de produção de biometano. A França tem como objetivo substituir 10% do gás natural até 2030 e chegar a 20% posteriormente.

A França, por sinal, a partir de um marco regulatório pró biometano, teve um crescimento exponencial de novas plantas de produção desse gás renovável, saltando de 43 em 2017 a mais de 500 em 2022 (3 novas plantas de biometano por semana), um crescimento de quase 2.000%, com uma produção média de mais de 15 GWh/planta.

A Agência Alemã de Energia vem também introduzindo incentivos ao aumento da produção de biometano no país, dentre os quais está a garantia do direito de conexão à rede para as instalações de instalações de produção de biometano. Para receber alguns benefícios fixados pela Agência Alemã de Energia, o biometano deve ser obrigatoriamente injetado na rede de gás de forma e se integrar ao sistema.

Outro caso interessante é o da Dinamarca, que fixou objetivos ainda mais ambiciosos de atingir 100% de gases renováveis em sua matriz até 2035. Os objetivos fixados pela Comunidade Europeia ainda não foram traduzidos em Diretivas da UE, mas se espera que isso deverá ocorrer em breve, o que dará caráter vinculante aos países membros.

A transformação do biogás em biometano apresenta diferentes tecnologias já bastante testadas e consolidadas e aqui já está regulado pela ANP para comercialização, seja comprimido e transportado até o cliente final por caminhões, seja por injeção direta nos gasodutos mesclando com gás natural, o que deveria ser priorizado.

Na Alemanha, atualmente o maior produtor de biometano na UE, existem plantas economicamente viáveis operando há mais de 15 anos tendo, portanto, um histórico considerável e dominado da tecnologia de transformação e purificação do biogás em biometano, como também, da sua injeção nas redes de gasodutos.

Num primeiro momento seria interessante considerar o estabelecimento de quotas para as distribuidoras comprarem biometano dentro do seu portfólio de gás de forma a estimular o surgimento de novos projetos. O Governo do Rio de Janeiro fez isso de forma pioneira no passado e não foi bem compreendido, mas o momento agora é outro.

No RJ, apesar da ANP já ter permitido a injeção do biometano nas redes, a Naturgy ainda não realizou a interligação de suas redes à produção de biometano de Seropédica, uma das maiores do país.

A não interligação de Seropédica à rede de distribuição local está levando o Grupo Urca a realizar estudos, recentemente anunciados, para possibilitar a injeção do biometano diretamente no gasoduto de transporte da NTS. Isso, se viabilizado, possibilitará que o biometano produzido no RJ seja comercializado em todo o país, como já ocorre com o gás natural. No entanto, para um consumidor do RJ, esta opção seria mais cara, porque o biometano passaria a transitar, além da malha da distribuidora, também na malha de transporte.

O biometano já é uma realidade e precisa ser encarado por aqui dessa forma. Não temos a mesma urgência da UE de aumentar o uso do biometano como forma de diminuir a dependência de importação externa de gás natural, mas os benefícios são claros e os reguladores, tanto a ANP quanto as Agências Estaduais, precisam estimular e incentivar a integração do biometano na malha de gasodutos, permitindo chegar a todos os usuários de gás natural.

Conceder incentivos ao aumento da oferta de biometano trará grandes benefícios a todos e o Brasil precisa encarar esse tema e, se possível, definir objetivos a longo prazo.

 

Bruno Armbrust é sócio diretor fundador da ARM Consultoria, ex-presidente do grupo Naturgy na Itália de 2004 a 2007 e no Brasil de 2007 a 2019. Escreve na Brasil Energia a cada dois meses.

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