Opinião

A melhor alternativa para reduzir o custo do gás

Com o aumento do custo do gás no RJ, ocorrido ao final de 2023, avançar com a regulamentação do mercado livre de gás no estado passou a ter a máxima urgência.

Por Bruno Armbrust

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Pouco se produziu de novo e moderno na regulação no mercado de gás do RJ nos últimos anos, como se vê na regulação do mercado livre de gás que perdura há três anos na Agenersa - Agência Reguladora de Energia do Rio de Janeiro, impedindo o consumidor fluminense de se beneficiar do início da concorrência na comercialização do gás, como já ocorre em outros estados.

Após duas audiências públicas sobre o tema, a Agenersa não emitiu, até o momento, conclusão ou nova deliberação com alteração da regulação vigente, em função das contribuições públicas.

Essa situação ganha agora contornos ainda mais urgentes com a aprovação pela agência, no final de 2023, de oito novos contratos de suprimento de gás firmados entre Naturgy e Petrobras, que colocou o gás no RJ até 20% acima dos preços observados em outros estados, o que afetará a competitividade da indústria fluminense.

Era necessário acabar com o litígio entre a Naturgy e a Petrobras que perdurava por dois anos e trazia insegurança no suprimento de gás ao estado. No entanto, o fim do litígio trouxe, como efeito colateral, a compensação de mais de R$ 3 bilhões, acumulados em 2022 e 2023, através do custo mais elevado do gás nos novos contratos, pelos próximos nove anos. Assim, conclui-se que a judicialização do fornecimento de gás no RJ, além de ter deixado o suprimento de gás vulnerável no estado durante dois anos, deixa um pesado ônus, indicando não ter sido a melhor das alternativas.

Esses contratos de fornecimento de gás ao mercado do RJ têm, em 2024, um preço equivalente a 13,5% do Brent, resultante do mix de preços dos quatro contratos de cada concessionária (CEG e CEG Rio). Esse percentual declinará até o final de 2032, chegando, em janeiro de 2033 a 11,9% do Brent, preço máximo verificado em janeiro de 2024 na maioria dos demais estados.

Esse quadro de aumento substancial do custo do gás no RJ faz com que seja imperioso buscar, no médio e longo prazo, uma maior diversificação de fornecedores de gás aqui no RJ, como já fazem outras concessionárias em outros estados.

No RJ, alguns consumidores vêm optando por energéticos alternativos ao gás natural, como: (i) a energia elétrica e o GLP nos mercados residencial e comercial; (ii) a biomassa no industrial; e (iii) a gasolina e etanol no mercado veicular, devido ao custo do gás. Tal cenário poderá se agravar com os novos níveis de preços do gás no RJ.

O mercado de gás convencional no RJ, que já esteve em patamares de vendas acima de 7,5 milhões de m³/dia, experimentou, nos últimos anos, uma queda significativa, principalmente no mercado industrial. Atualmente, o consumo de gás convencional no RJ se situa próximo a 6,4 milhões de m³/dia, média de 12 meses (jul/22-jun/23), representando uma redução histórica de cerca de 15%. A boa notícia vem do programa do uso do gás em veículos pesados, recém-lançado pela SEENEMAR, denominado “Corredores Sustentáveis”, que poderá elevar o consumo de gás veicular no longo prazo, compensando a queda recente no consumo dos veículos leves.

Outro fato relevante, que também vem afetando o volume de gás movimentado nas redes de distribuição do RJ, é a utilização direta do biometano como fonte de suprimento por consumidores de gás natural, sem o pagamento da margem de distribuição. Isso se dá devido às lacunas existentes na regulação no RJ e pela falta de conexão das redes de distribuição de gás aos locais de produção do biometano, que deveria ser feito pelas concessionárias seguindo o que ocorre na União Europeia. Exemplos recentes são as indústrias Saint Goban, CSA, postos de GNV, dentre outros, que apesar de estarem sobre a rede de distribuição das concessionárias, recebem biometano por meio de caminhões de gás comprimido.

Do lado da geração a gás, o cenário também não é favorável. As térmicas existentes tiveram substancial redução de consumo e as térmicas novas não contribuem para a modicidade tarifária.

Logo, o aumento do custo do gás poderá agravar o quadro de redução de vendas, o que demanda uma rápida e correta implementação na regulação do mercado livre, buscando mitigar a perda de competitividade do gás no RJ.

Garantir aos consumidores convencionais, que têm o custo do gás como a maior parcela na composição da tarifa final, a liberdade de buscar alternativas de custo de gás mais atrativas diretamente com um comercializador, se faz urgente, devendo ser prioridade na regulação no RJ.

Para colaborar com a implementação de uma regulação moderna e inclusiva a todos os mercados de médio e grande consumo, assim como já ocorre em outros estados, é fundamental, além de outras medidas, a redução urgente da atual barreira volumétrica para o consumidor eleger seu comercializador. No caso do RJ, essa barreira é, desde 2017, de 100 mil m³/dia, patamar muito superior ao praticado em outros estados.

A Agenersa iniciou no final de 2023, de forma pouco ordenada e transparente e sem a realização de uma consulta pública formal, como requer a boa governança regulatória, a discussão de uma proposta de um Cusd - Contrato de Uso do Serviço de Distribuição. O Cusd, como um movimento isolado, sem uma regulação ampla e moderna, poderá se transformar numa peça extensa e complexa para os consumidores em geral. O Cusd definido antes das necessárias mudanças na regulação poderá ficar restrito a uma meia dúzia de grandes indústrias. O Cusd é um dos elementos da regulação do mercado livre e dessa forma deve seguir a regulação previamente existente.

O Cusd tem sua importância na regulação, mas outros pontos, além da redução da barreira volumétrica, deveriam ser discutidos e introduzidos previamente, tais como: i) separação contábil dos gastos afetos à distribuição e comercialização, o que limitará a prática de subsídios cruzados; ii) eliminação do custo de gás alocado por mercado, por consistir num subsídio cruzado não aderente à regulação atual e perturbador num ambiente de livre mercado e concorrência; iii) redução dos prazos de migração para o mercado livre; iv) transparência e publicidade da conta gráfica, o que possibilitará uma melhor projeção das tarifas futuras pelos consumidores; v) previsão de liquidação dos saldos da conta gráfica no caso de migração de clientes cativos ao mercado livre e vice-versa, vi) a questão da cobrança da taxa de regulação para os volumes comercializados no mercado livre, dentre outros.

Outra questão que deveria ser considerada na regulação do mercado livre seria a possibilidade de um comercializador poder firmar o Cusd com a distribuidora, de forma a permitir que ele realize a gestão integral do fornecimento de gás ao consumidor (distribuição, transporte e gás) como ocorre nos mercados abertos e maduros. A regulação como está poderá exigir de um consumidor que queira contratar gás no mercado livre, a assinatura de três ou mais contratos com terceiros. Isso se mostra complexo para a grande maioria dos consumidores e poderá ser uma barreira para o desenvolvimento mais amplo do mercado livre.

A urgência de se avançar com uma regulação moderna e efetiva para o mercado de gás se dá na medida que ela trará grandes benefícios para a concessão, para a economia, para o desenvolvimento econômico e para a competitividade da indústria fluminense, mas é preciso que as mudanças na regulação do mercado livre sejam realizadas de forma célere, estruturada, sequenciada e ordenada, observando sempre as melhores práticas, a boa governança regulatória e a máxima transparência, evitando soluções provisórias e experimentais.

O estado do RJ não pode perder mais tempo para implementar uma regulação moderna e extensiva a todos os mercados de médio e grande consumo, eliminando barreiras volumétricas como já ocorre em SP e alguns outros estados.

Outro ponto não menos importante, que pode reduzir consumo e afastar investimentos e consumidores, é a indefinição da Agenersa de duas revisões quinquenais tarifárias, a 4ª deveria estar vigente desde janeiro de 2018 (um atraso incompreensível de seis anos).

O RJ, que foi pioneiro na realização das concessões e na regulação dos serviços públicos de distribuição de gás canalizado, vem perdendo o protagonismo de outrora. Outros estados avançaram bastante na regulação e já colhem os frutos, enquanto o RJ vai ficando para trás.

O Novo Mercado de Gás exige dos reguladores uma mudança de filosofia rumo a uma regulação ágil, transparente, baseada nas melhores práticas e na boa governança. A regulação deve estar orientada ao estímulo aos investimentos e à concorrência do lado da oferta, buscando conectar a oferta do gás ao consumidor final.

 

Bruno Armbrust é sócio diretor fundador da ARM Consultoria, ex-presidente do grupo Naturgy na Itália de 2004 a 2007 e no Brasil de 2007 a 2019. Escreve na Brasil Energia a cada dois meses.

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