Opinião

PL do gás natural não é a única solução para o setor

Os maiores focos do Projeto de Lei (PL) 4.476/2020 estão no transporte e na estocagem, mas todas as demais atividades, mesmo que contempladas, necessitam de detalhamento em outros instrumentos

Por Cid Tomanik

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Como se sabe, o Projeto de Lei (PL) nº 4.476/2020 dispõe sobre a exploração das atividades econômicas de escoamento, tratamento, processamento, estocagem subterrânea, acondicionamento, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural. Tais atividades poderão ser exercidas por empresa ou consórcio de empresas constituídos sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, e serão reguladas e fiscalizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Entretanto, os maiores focos do atual Projeto de Lei estão, principalmente, nas atividades de transporte e estocagem.

Em relação à atividade de transporte, a mudança do instituto da concessão para autorização foi, sem dúvida, a maior inovação trazida pelo novo marco legal. Com essa alteração, haverá mais celeridade na construção e operação de gasodutos de transporte. Outro avanço constante do PL foi a definição de um modelo tarifário por entradas e saídas de gás natural, as quais poderão ser contratadas de forma independente, ao invés do modelo postal ou ponto-a-ponto.

Por sua vez, as atividades de estocagem e acondicionamento de gás natural, ainda pouco exploradas no País, foram devidamente contempladas no PL como essenciais para o equilíbrio do mercado, como back up ou supridor de última instância, garantindo o abastecimento nacional. Caberá à ANP definir regras ligadas à autorização e ao exercício de ambas as atividades, além das questões relacionadas às formações geológicas e ao acesso de terceiros à estocagem subterrânea.

Todas as demais atividades, a despeito de estarem contempladas no PL, necessitam de detalhamento ou mesmo reforço em outros instrumentos para além da regulação da ANP.

Neste contexto, importante citar o Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC), celebrado entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras, o qual visa à redução da participação estatal no mercado de gás natural.

O TCC, tanto quanto o PL, assegura o acesso de terceiros a gasodutos de escoamento de produção, de instalações de tratamento ou processamento de gás natural. Um exemplo da importância do TCC na garantia do acesso pode ser visto no atual processo para definição do acesso à UPGN Guamaré/Rio Grande do Norte.

Com a decisão de 2020 do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu ao Mato Grosso do Sul o direito exclusivo ao ICMS sobre a importação de gás da Bolívia, a atividade de trazer Gás Natural Liquefeito (GNL) de outros países tornou-se uma opção para os Estados, que já estão projetando terminais de regaseificação em seus respectivos territórios.

Em relação à comercialização de gás natural, o novo texto legal que será aprovado com o PL foca na concorrência e estabelece que “poderão exercer a atividade de comercialização de gás natural, por sua conta e risco, mediante autorização outorgada pela ANP, as distribuidoras de gás canalizado, os consumidores livres, os produtores, os autoprodutores, os importadores, os autoimportadores e os comercializadores”. Ou seja, apesar dos evidentes avanços sobre o tema, será necessário garantir que (i) a existência de vários agentes autorizados a exercer a atividade de comercialização de gás natural não iniba a atividade por meio dos agentes comercializadores e (ii) a participação dos agentes comercializadores não seja incorretamente limitada.

Assim, a aprovação do PL garantirá impacto direto em cada uma das atividades mencionadas acima, mas muito do avanço que se espera dependerá de outros instrumentos e iniciativas para, de fato, alcançarmos os princípios elencados na Resolução CNPE nº 16/2019.

Desta forma, precisamos aprofundar, desde já, a análise das lacunas no PL para cada atividade, e apresentar as soluções necessárias para assegurar o avanço do setor.

Cid Tomanik e Daniela Santos, coautora deste artigo, são consultores regulatórios em energia e utilities

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