Opinião

O que fazer para acender a luz verde na Light?

A receita que a concessionária recebe dos pagantes não é suficiente para cobrir o custo de suprir toda a população, por conta do excesso de furto e fraude. Há diversas possibilidades que devem ser combinadas para produzir uma solução

Por Jerson Kelman

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Pedro Arbex publicou em Brazil Journal uma bem elaborada matéria com o sugestivo título de “Na Light, acendeu a luz vermelha” (01/02/2023). Ele explica que a contratação de um assessor financeiro para reestruturar o capital da Companhia acendeu o sinal de alarme. Acionistas, credores e funcionários enxergam prováveis perdas econômicas e consumidores enxergam prováveis aumentos na conta de luz. Isso num estado cuja economia já é pouco competitiva devido à perda de controle de parte do território para milicianos e traficantes. O que explica a elevadíssima inadimplência e taxa de furto/fraude, fazendo com que a energia elétrica no Rio seja uma das mais caras do país. Reproduzo e comento algumas passagens da reportagem.

“Quando a concessão começa a se aproximar do vencimento fica difícil rolar a dívida, porque nenhum banco quer tomar esse risco sem ter visibilidade do que vai acontecer na renovação”.

De fato, no fim da concessão, mesmo em áreas sem a problemática do Rio, reina um clima de fim de festa, onde tudo tende a funcionar mal. Os acionistas não investem, reduzem custos correntes de forma insustentável, a qualidade do atendimento deteriora e todos perdem. A situação não é nova. No passado, quando a Light era controlada pelo capital privado canadense, ocorreu o mesmo fenômeno. O desenlace foi a estatização da Light[1]. Atualmente o problema é pior porque é preciso um incessante investimento apenas para impedir que aumente a taxa de perdas não técnicas, que já é altíssima. Ou seja, a paralisação de investimentos acelera exponencialmente a espiral da morte.

Deveríamos ter aprendido a lição da História. Em princípio a concessão de distribuição poderia ter prazo indefinido porque a concessionária está sempre fazendo investimentos, tanto para atender novas áreas quanto para substituir equipamentos no fim da vida útil. Tipicamente, a base de remuneração líquida de uma distribuidora é metade da bruta.  Diferente do que ocorre na geração hidroelétrica, onde se concede por tempo determinado o uso de um recurso natural – o potencial hidráulico – e o grosso do investimento ocorre no início da concessão.

Se o prazo da concessão de uma distribuidora fosse indefinido, ela permaneceria prestando o serviço enquanto estivesse funcionando adequadamente, a critério do regulador. Se a cobertura e/ou qualidade do serviço se tornassem insatisfatórias, o regulador poderia escolher a melhor circunstância, sob a ótica do consumidor, para trocar de concessionária.

“Todas as empresas do setor sofrem com isso, mas quando você tem mais de uma concessão o impacto disso fica diluído. A Light é uma concessão única.”

A Light, além de ser uma concessão única, é também uma Corporation. Ou seja, não tem um único dono ou controlador. No mercado de ações, empresas com capital pulverizado, sem controlador, são em geral bem-vistas porque costumam ter alto grau de governança. Porém, se for uma prestadora de serviço público essencial, a inexistência de um controlador pode ser problemática. Por exemplo, numa situação de crise, o regulador não tem com quem negociar um imediato aporte de capital.

O “roubo torna mais difícil para a Light entregar as metas de perdas e inadimplências estipuladas no contrato de concessão – fazendo com que a empresa obtenha do regulador reajustes abaixo do que precisa.  Alguns analistas acham que a única solução seria rever o contrato e criar metas mais realistas... A Light teve CEOs excelentes nos últimos anos e não conseguiu resolver a situação”... Isso mostra que não existe uma bala de prata. Não existe uma solução criativa que ninguém nunca pensou antes.”

De fato, a situação de falta de controle sobre o território por parte do Governo do Estado do Rio de Janeiro faz com que, na prática, a concessão, como está, seja insustentável. Ou seja, a receita que a concessionária recebe dos pagantes não é suficiente para cobrir o custo de suprir toda a população. A razão é simples: há excesso de furto e fraude.

Sem perspectiva de futuro, a oferta de crédito seca, os juros vão para a estratosfera e a Companhia, sem possibilidade de entrar no regime de Recuperação Judicial, ingressa numa espiral da morte. Não convém aos governos – federal e estadual - que se chegue ao colapso. É preciso agir antes. Há diversas possibilidades que devem ser combinadas para produzir uma solução (a tal luz verde...):

1) A ANEEL estipula metas regulatórias para perdas e inadimplência próximas das reais. Significa reconhecer que o Rio constitui um ponto fora da curva. O resultado seria a majoração da conta de luz dos pagantes fluminenses, que já arcam com uma das tarifas mais altas do país. Previsivelmente, muitos “jogariam a toalha”, aderindo à ilegalidade; o que aumentaria ainda mais a conta de luz dos que tivessem permanecido na legalidade; o que provocaria uma nova leva dos aderentes à ilegalidade... E assim sucessivamente, numa espiral da morte que certamente arruinaria a economia fluminense. Ou seja, essa alternativa deve ser adotada com grande moderação porque não é sustentável colocar o peso da insustentabilidade da Light apenas sobre os ombros dos consumidores fluminenses que pagam a conta de luz.

2) O Governo Federal canaliza parte da CDE para a concessionária. Seria aplicar raciocínio semelhante ao que se utiliza para justificar o subsídio que beneficia os sistemas isolados ou a produção de eletricidade via carvão de Santa Catarina. Faz-se uma “vaquinha” entre os consumidores de todo o país (não apenas do Estado do Rio) para amenizar o grave problema fluminense.

3) O Governo Federal renova de forma não-onerosa e como produção independente a concessão das UHEs da Light. A Light tem 5 usinas com capacidade instalada de 855 MW. O término da concessão de geração está previsto para 2027. A União permitiria que a Light operasse as usinas como produtor independente por mais alguns anos, com a condição de que os resultados da geração fossem alocados para resolver os problemas da distribuição, sem possibilidade de repasse para os acionistas além do mínimo legal. Essa providência melhoraria a percepção sobre o futuro da empresa. A justificar essa “bondade”, a contribuição da Light para a segurança de abastecimento de água da Região Metropolitana do Rio de Janeiro[2]. Nessa alternativa, é o contribuinte brasileiro quem paga a conta.

4) O Governo Estadual decide atuar mais colaborativamente com a prestação de serviços públicos. O alinhamento deveria produzir duas relevantes alterações:

a) Modificação da maneira como o ICMS é cobrado. Deve ser um percentual aplicado à arrecadação, não ao faturamento.

b) Maior empenho da polícia no combate ao furto e fraude nos serviços públicos (eletricidade, água e gás). Nessa alternativa, o custo seria repartido entre os consumidores de todo o país, mas os do Rio pagariam mais.

5) A Light relança o programa “Áreas de Perda Zero - APZ”. Trata-se da criação de minúsculas sub-concessionárias formadas por pessoas das próprias comunidades de áreas problemáticas. A ideia é repartir o ganho derivado da redução das perdas não técnicas entre a Light e as sub-concessionárias.

6) A ANEEL cria tarifas diferenciadas não apenas pela categoria do consumidor (doméstico, comercial, industrial, iluminação pública, irrigação...) mas também, e principalmente, pelo CEP. Nessa alocação de custos se levaria em consideração a renda média familiar e a qualidade do serviço prestado (em termos, por exemplo, de DEC e FEC).

Nessa alternativa os consumidores da Light contemplados com serviço de melhor qualidade – por exemplo, os da Zona Sul da cidade do Rio, servidos por rede subterrânea que é muito mais resiliente a temporais do que a rede aérea – pagariam mais dos que habitam favelas e periferias, tradicionalmente contempladas com serviços de pior qualidade.

“... a solução correta para a empresa hoje é dizer que não quer renovar. A concessão deveria retornar para o Poder Concedente, e ele relicitar em novos termos” ... Se isso acontecer, o Governo teria que pagar toda a base de ativos não-depreciados da Light, um número hoje estimado em mais de R$ 10 bilhões.  Mas como seria praticamente impossível ao Governo encontrar um player que pague R$ 10 bilhões pela concessão nos termos atuais, analistas dizem que faz mais sentido negociar com os acionistas atuais uma renovação da concessão com novas metas”. 

O término da concessão de distribuição da Light está logo aí à frente, em 2026. É preciso que a Light, a ANEEL, o Governo Federal e, principalmente, o Governo Estadual, se articulem para achar uma solução que evite problemas de abastecimento no Rio, tanto de eletricidade quanto de água.

 

[1] Anos depois voltou a ser privatizada.

[2] A Light é responsável pela transposição da água do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu onde a Cedae capta água bruta para tratar e vender no atacado às novas concessionárias privadas (Aegea, Iguá e Águas do Brasil). Essas, por sua vez, revendem água no varejo. O colapso da Light pode resultar na paralisação dessa cadeia de atividades e, consequentemente, no colapso da maior parte da região metropolitana, inclusive a cidade do Rio de Janeiro.

 

Jerson Kelman é engenheiro civil e M.Sc. pela UFRJ e Ph.D. pela Colorado State University. Participa dos conselhos de administração da Eneva (como presidente), Evoltz, Iguá e Orizon. Foi diretor-geral da ANEEL (2005-2008) e presidente da Light (2010-2012)

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