Opinião

O papel das usinas reversíveis

Para seguir as abruptas variações da carga líquida, possivelmente as melhores opções são as baterias e as usinas reversíveis, das quais temos conhecimento técnico e condições naturais para desenvolver um parque capaz de atender o SIN quando necessitar de uma injeção de potência.

Por Jerson Kelman

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Aumentar a produção de energia das usinas despacháveis em cerca de 30 GW num intervalo de apenas 3 horas constitui desafio difícil para o ONS. Acontece ao entardecer, quando a produção de eletricidade fotovoltaica, tanto a centralizada quanto a distribuída, cai abruptamente e as eólicas circunstancialmente produzem pouco.

Felizmente por enquanto o ONS tem sido bem-sucedido, graças ao robusto parque hidroelétrico que consegue aguentar os trancos, embora não tenha sido projetado para isso. Adicionalmente, os proprietários das usinas não recebem remuneração pela flexibilidade que colocam a serviço do SIN.

Abruptas flutuações de produção de hidroeletricidade causam também abruptas variações de vazão turbinada, com eventuais erosões e prejuízos para outros usuários rio abaixo. Por isso, a Agência Nacional de Águas e Saneamento – ANA, cumprindo sua obrigação institucional de zelar pelo uso múltiplo dos recursos hídricos, tem imposto restrições operativas às hidroelétricas, em termos de gradientes de vazão e de nível. Algumas dessas restrições não são incluídas na cadeia de otimização do despacho e só são consideradas em tempo real pelo ONS. Seria necessário tanto aperfeiçoar a modelagem para incluir explicitamente as restrições quanto realizar uma avaliação integrada dos benefícios e custos de eventuais obras destinadas a atenuá-las, abrangendo tanto o setor elétrico quanto os demais usuários dos rios.

Há situações em que o parque hidroelétrico só consegue atender parcialmente a flutuação de carga do SIN, não por uma incapacidade física e sim por efeito das tais restrições. Nesses casos o ONS recorre às demais usinas despacháveis, prioritariamente as usinas movidas a gás natural, de acionamento mais rápido.

As hidroelétricas funcionam como os carros de corrida, aptas a sair de zero à plena potência quase instantaneamente. Já as termoelétricas funcionam como os antigos carros à álcool de 50 anos atrás. Precisam de um tempo para “aquecimento” que, dependendo do tipo de tecnologia, pode ser mais ou menos longo. No passado, essa falta de agilidade das térmicas era irrelevante porque elas só eram acionadas nas estiagens, para complementar energeticamente as hídricas. Na prática, as térmicas ficavam ligadas por longos períodos e era irrelevante o tempo dispendido para colocá-las “em regime”. Atualmente as térmicas continuam sendo muito relevantes nesse papel de complementariedade energética, mas possivelmente não constituem a melhor opção em termos de complementaridade de potência.

Para seguir as abruptas variações da carga líquida, possivelmente as melhores opções são as baterias e as usinas reversíveis. Não se vislumbra papel de liderança do Brasil no desenvolvimento tecnológico de baterias. Trata-se de tema dependente de complexa cadeia produtiva, que mobiliza os principais países desenvolvidos. Teríamos dificuldade em concorrer. Por outro lado, temos conhecimento técnico e condições naturais para desenvolver um parque de usinas reversíveis para matar dois coelhos com uma cajadada. Aproveitar o excesso de energia para bombear água do reservatório inferior para o superior e turbinar essa água nos momentos em que o SIN necessitar de uma injeção de potência.

As condições econômicas estão dadas e já existem os instrumentos para identificar os melhores locais com vocação para instalação de usinas reversíveis. Resta a proposição dos correspondentes normativos. Nesse sentido, a ANEEL abriu a Consulta Pública nº 39/23 para endereçar os empecilhos à adoção de sistemas de armazenamento dentro da matriz de geração nacional, inclusive as reversíveis, “partindo do pressuposto de que o atual arcabouço normativo ainda é insuficiente para valorar adequadamente os benefícios desses sistemas, o que consiste em uma falha regulatória”. Muito boa, a iniciativa!

 

Jerson Kelman foi diretor-geral da ANEEL, presidente do Grupo Light e interventor na Enersul. Escreve na Brasil Energia a cada três meses.

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