O Hisep e a neoindustrialização

Em recente encarnação, encerrada no final do século XX, fui engenheiro de processos. Fiz até um mestrado em engenharia de petróleo, patrocinado por bolsa da Petrobras (a quem serei eternamente grato por isso). Estudei os postulados e as leis da Termodinâmica, equações de estado, escoamento em meios porosos, e fiz dissertação sobre exergia (com x mesmo, e com a pronúncia “ezergia”) em processos de separação primária em plataformas de produção de petróleo.

O Hisep®, tecnologia recém-lançada pela Petrobras e parceiros, precisamente por ser impressionante para engenheiros de processo, promoveu também viagem no tempo para mim. Escoamento e separação de fluidos supercríticos é um tema que aparece nos capítulos finais dos mais avançados livros de Termodinâmica e Mecânica dos Fluidos. Uma viagem muito agradável e de ótimas memórias.

A recém-lançada tecnologia deve ter provocado esta viagem em outros engenheiros de processo. Mas, claro, ela vai muito além e significa muito mais do que isso.

Ela é a mais recente evidência, e das mais robustas e relevantes, de que o Brasil, em particular a Petrobras e parceiros, estão muito além de usuários de tecnologias. A Petrobras e outras empresas do país são capazes de desenvolver as novas tecnologias que serão usadas por outros países e empresas. A diferença entre ser usuário e ser desenvolvedor de novas tecnologias é brutal. São os extremos inferior e superior da chamada Escada Tecnológica. Desenvolver tecnologia está no topo também da chamada Curva-Sorriso, o instrumento didático que explica a diferença entre apenas ser parte das Cadeias de Valor e ocupar posições de relevância nessas cadeias.

O Hisep® é um exemplo que o pai da Economia da Inovação, Joseph Schumpeter, usaria como instrumento didático de alta eficácia para explicar o que é inovação. A introdução de uma novidade na economia, capaz de gerar o constante desequilíbrio que caracteriza o capitalismo (não, a economia capitalista não tende ao equilíbrio, pois a grande força-motriz dele são as inovações e a permanente incerteza e desequilíbrio que elas geram). Uma novidade que vai gerar lucros extraordinários (acima da média) para quem a disseminar e comercializar.

Quando tantos países passam a entender a importância e priorizam a retomada das políticas industriais —a neoindustrialização ou a Nova Indústria Brasil (NIB), em nosso caso— o Hisep® mostra o potencial que temos e abre avenidas de reflexões e ações. A nova tecnologia é exemplar ao mostrar como a Missão 5 da NIB, a que fala sobre Transição Energética, pode e deve ser expandida. Separar, ainda no fundo do mar, o CO₂ do gás natural e reinjetá-lo nos reservatórios resulta em produzir hidrocarbonetos com menor emissão no processo de produção. Com menos peso nas plataformas e, portanto, com menos emissão em outras partes do ciclo da indústria do petróleo. É um tanto paradoxal, mas implica produzir um petróleo mais verde. O Hisep® está na direção da lógica de incluir mais pessoas, mais fontes de energia e mais tecnologias na transição energética.

Há, contudo, desafios a serem superados. A produção dos recursos naturais gás natural e petróleo fica mais limpa com o Hisep ®. Mas ainda falta transformar o Brasil em referência global não apenas na engenhosidade das invenções, mas sobretudo nas inovações, na disseminação e na comercialização no mercado interno e externo das tecnologias desenvolvidas aqui. É isso que transforma um país emergente em país industrializado e desenvolvido. O Hisep® é a enésima evidência de nossa engenhosidade, mas precisamos assegurar que vai também exercer o papel de real inovação, de provocar desequilíbrio, crescimento econômico e desenvolvimento sustentável de nossa sociedade.

Telmo Ghiorzi é Presidente da ABESPetro, doutor em políticas públicas e mestre em engenharia. Escreve na Brasil Energia a cada três meses.