Opinião

O desafio para implementação de um fundo de estabilização de preços no Brasil

A experiência internacional deixa claro que os fundos de estabilização de preços não são sustentáveis apenas com a venda de combustíveis a preços mais elevados no período de preços internacionais baixos

Por Edmar de Almeida

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Os preços dos combustíveis continuam sendo um dos principais temas de disputa política no país. Depois de 20 anos de preços liberalizados, parcela importante da população e da classe política continua a cultivar uma nostalgia da época em que o ministro da economia era quem decidia sobre quando e quanto subir os preços dos combustíveis. Políticos de diferentes matizes políticas prometem preços controlados e justos aos consumidores brasileiros. Com o passar do tempo e com a evolução da estrutura da indústria do petróleo nacional, estas promessas se distanciam cada vez mais da realidade do mercado de combustíveis.

O atual governo prometeu retomar o controle dos preços dos combustíveis através de um fundo de estabilização de preços. Aparentemente, esta proposta parte do reconhecimento de que não é mais viável controlar os preços dos combustíveis através do controle de preços da Petrobras nas refinarias. Isto representa um avanço importante, pois o inconformismo do governo anterior com este tema trouxe grande instabilidade política à empresa, com claros prejuízos para sua gestão e para o desenvolvimento do mercado de combustíveis.

Entretanto, os desafios para a implementação de um fundo de estabilização de preços dos combustíveis no formato do aprovado no Senado Federal (Projeto de Lei 1.472/2021) são imensos e poderão ser fonte de nova frustração política e instabilidade no setor. Os principais desafios são: i) financiamento da Conta de Estabilização dos Preços de Combustíveis – CEP em um momento de crise fiscal; ii) criação de um arcabouço regulatório para repasse de recursos para centenas de empresas produtoras e importadoras de combustíveis; iii) controle efetivo dos preços na bomba considerando que os segmentos de distribuição e revenda continuarão com preços determinados via mercado.

Não existem caminhos para criação da CEP sem recursos públicos de impostos existentes ou novos. Na discussão para aprovação do fundo no Senado, buscou-se diminuir a resistência à aprovação do projeto com a narrativa de que o fundo será financiado com recursos do próprio setor (participações governamentais no setor petróleo) e com recursos “novos” e “extraordinários”. Entretanto, trata-se de recursos públicos que têm um custo de oportunidade, já que poderiam ser investidos em outras políticas públicas.

Ademais, a experiência internacional deixa muito claro que os fundos de estabilização de preços não são sustentáveis apenas com a venda de combustíveis a preços mais elevados no período de preços internacionais baixos. Isto porque é impossível prever a trajetória de preços dos combustíveis no mercado internacional. Isto faz com que frequentemente os fundos se esgotem e seja necessária uma nova capitalização com recursos do tesouro. Isto implica em subsídios diretos ao consumo de combustíveis fósseis, o que é absolutamente incoerente com a intenção do governo atual de priorizar a transição energética.

A criação de um arcabouço regulatório para viabilizar repasse de recursos públicos para as empresas produtoras e importadoras de combustíveis representa um desafio igualmente de grande complexidade. Existem centenas de produtores e importadores de diesel, gasolina e GLP no Brasil[1]. O arcabouço regulatório para implementação do controle dos preços destes combustíveis precisará fixar preços de referência para estes combustíveis para cada região/estado, além de criar regras de controle de preços, fiscalização, prestação de contas por parte das empresas para fins de reembolso, quando os preços praticados forem inferiores ao mercado internacional. A criação e operacionalização deste arcabouço regulatório irá exigir vultosos recursos, humanos, tecnológicos e financeiros por parte da ANP.

Uma vez que os desafios acima sejam superados, é importante ressaltar que o controle dos preços abarcaria apenas a etapa da produção e importação de derivados. Os biocombustíveis e a etapa da distribuição (244 empresas) e revenda (124 mil pontos de venda) continuariam com os preços livres. Variações das margens nestas etapas da cadeia são comuns. Entretanto, qualquer variação de margens em um contexto de preços controlados na produção/importação geraria um custo político importante ao governo.

Ao se vender a ideia de que existe um caminho fácil para controlar os preços em um mercado de combustíveis concorrencial e com grande diversidade de atores, os políticos visam ganhos políticos de curto prazo, mas estão contratando uma grande frustração política. O governo atual vai rapidamente se dar conta que custo-benefício (político e econômico) da criação da CEP não é bom. Dada a configuração atual do mercado de combustíveis a forma menos traumática do governo intervir é através da variação dos impostos. A partir da aceitação desta realidade, o principal desafio do governo seria trabalhar uma política de impostos flexíveis e explicar de forma honesta à população brasileira as razões pelas quais o país deve seguir os preços internacionais e qual é a forma viável e pragmática de intervenção neste mercado no atual contexto do setor.

[1] No mercado de diesel e gasolina existem 7 empresas refinadoras, 3 formuladoras, 3 centrais petroquímicas produtoras, 167 empresas produtoras de lubrificantes e re-refinadores, além de 634 importadores e exportadores.

 

Edmar de Almeida, professor (licenciado) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do IEPUC. É economista, mestre em Economia Industrial e doutor em Economia Aplicada pelo Instituto de Política Energética e Economia da Universidade de Grenoble, França.

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