Opinião

Competitividade do Hidrogênio de Baixo Carbono: Mercado Doméstico ou Exportação?

A produção de hidrogênio de baixo carbono de forma descentralizada no Brasil, ou seja, nas próprias fábricas, utilizando energia da rede ou a geração distribuída, é o caminho mais viável para iniciar o desenvolvimento da indústria do hidrogênio no Brasil

Por Edmar de Almeida

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O mundo e o Brasil estão vivendo um grande entusiasmo com o desenvolvimento da indústria do hidrogênio sustentável. O hidrogênio produzido a partir de fontes energéticas renováveis ou a partir de fontes fósseis associadas à captura e estocagem e uso de CO2 (CCUS) é visto como um vetor fundamental da descarbonização dos segmentos “hard to abate”, ou seja, aqueles que não podem ser descarbonizados a partir da eletrificação dos processos. Este é o caso dos setores industriais que precisam de calor em alta temperatura e indústrias como cimento, siderurgia e fertilizantes, que utilizam o gás natural como matéria prima; do transporte marítimo ou aéreo.

No Brasil, já existem mais de 50 projetos de hidrogênio verde em avaliação somando cerca de 30 bilhões de dólares em investimentos potenciais. O grande foco destes projetos é a exportação de produtos produzidos com o hidrogênio de baixo carbono, tais como a amônia verde. Vários portos brasileiros estão desenvolvendo projetos para se posicionarem como hub de hidrogênio. Este é o caso dos Portos de Pecém no Ceará, Porto de Açú no Rio de Janeiro, ou Porto de Suape em Pernambuco. O entusiasmo com a exportação de hidrogênio e derivados está associado, por um lado, à grande disponibilidade e baixo custo de produção de energia elétrica renovável no país; e, por outro lado, ao interesse Europeu de importação de hidrogênio sustentável. Recentemente, a Alemanha organizou um leilão internacional para aquisição de amônia verde, isto é, amônia produzida a partir de hidrogênio verde.

As fontes renováveis de geração se tornaram indiscutivelmente as mais competitivas para a expansão do setor elétrico nacional e o baixo custo e alta elasticidade de oferta da geração elétrica renovável no Brasil colocam o país em condição de grande vantagem competitiva para a produção de hidrogênio verde. Por esta razão, existe a expectativa que o Brasil produza hidrogênio verde com o menor custo nivelado do mundo em 2030. Entretanto, existe uma grande distância entre esta expectativa e a realidade do mercado nacional de energia elétrica. A elevada carga fiscal, os encargos na tarifa de energia e os elevados custos de transmissão implicam numa grande distância entre o custo da geração elétrica e o preço final da energia no país. Ao mesmo tempo, a política energética na Europa e nos Estados Unidos estão implementando subsídios massivos para produção de hidrogênio sustentável. No caso americano, os subsídios podem atingir US$3 o quilo de hidrogênio. Outro aspecto a ser considerado é que ainda não está comprovada   a competitividade do transporte do H2, e mesmo dos derivados de hidrogênio produzidos no Brasil, até o mercado Europeu.

A oportunidade de exportação de hidrogênio e produtos descarbonizados deve ser avaliada por atores públicos e privados. Não restam dúvidas que representa uma oportunidade para o país. Entretanto, o entusiasmo com a exportação de hidrogênio e derivados não pode ofuscar aquela que é a oportunidade mais viável a curto prazo para a cadeia de hidrogênio no Brasil, que é justamente a descarbonização de setores e empresas industriais brasileiras. A produção de hidrogênio de baixo carbono de forma descentralizada no Brasil, ou seja, nas próprias fábricas, utilizando energia da rede ou a geração distribuída, é o caminho mais viável para iniciar o desenvolvimento da indústria do hidrogênio no Brasil, pelas seguintes razões:

  • A produção no local de consumo evita custos com o transporte do hidrogênio;
  • A energia elétrica da rede no Brasil já é basicamente descarbonizada, tendo atingido o nível de 92% de fontes renováveis em 2022;
  • A tecnologia de eletrolisadores atual não possui economias de escala significativa. Os eletrolisadores disponíveis comercialmente ainda estão limitados a 10 MW de potência;
  • Ao produzir localmente o hidrogênio, as empresas podem aproveitar não apenas o hidrogênio para substituir combustíveis fósseis, mas também o oxigênio produzido para melhorar a qualidade da queima em fornos, aquecedores e secadores.
  • Autoprodução do hidrogênio evita a sua comercialização e impostos associados à venda.

O Brasil não vai ter condições econômicas e fiscais de oferecer o mesmo nível de subsídios oferecidos pela Europa e os Estados Unidos para viabilizar projetos de hidrogênio de baixo carbono no país. Por esta razão, a política pública deve priorizar aqueles projetos que têm maior potencial de viabilidade.

Estudos realizados pelo Instituto de Energia da PUC-Rio demonstraram que o hidrogênio verde já pode ser competitivo com o gás natural, em projetos voltados para substituição parcial do gás via mistura entre 5 a 15% no gás consumido pela fábrica.  Esta viabilidade é possível com o preço final atual do gás natural (cerca de US$16,00 por MMBTU), o preço da energia elétrica de US$45,00 por MWh, e o Capex do eletrolizador a US$1.600,00 por kW.  O hidrogênio sairia ao mesmo preço do gás natural considerando os benefícios do aproveitamento do oxigênio (ou seja, redução adicional do consumo de gás em função do uso do oxigênio produzido na queima) e um crédito de carbono de US$50,00 por tonelada.

Ou seja, já estão dadas as condições para a materialização de investimentos em projetos para produção do hidrogênio sustentável na indústria. Estes projetos podem se materializar mais rapidamente em função da menor escala de produção e menor complexidade comercial. Desta forma, é fundamental que a política pública priorize projetos de produção de H2 na indústria, que têm maior viabilidade econômica. Esta priorização poderia se dar através de uma política para: i) financiamento de projetos piloto na indústria com taxas de juros favoráveis; ii) classificação dos projetos piloto de hidrogênio como projetos de inovação; iii) e desoneração da importação de bens e serviços para projetos piloto na indústria.

Ademais, é fundamental a implementação de políticas que teriam efeito para todos os tipos de projetos de hidrogênio de baixo carbono, tais como: i) implementação do mercado de carbono regulado; ii) desenvolvimento de uma política nacional de certificação do hidrogênio de baixo carbono; iii) Incentivos para o desenvolvimento da cadeia fornecedora no Brasil; iv) implementação de uma política de desoneração e redução dos encargos sobre da energia elétrica.

 

 

Edmar de Almeida é professor e pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio. Escreve na Brasil Energia a cada quatro meses.

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