Opinião

A descarbonização dos combustíveis marítimos

A Organização Marítima Internacional (IMO), agência da ONU especializada no transporte marítimo, se demonstrou fortemente comprometida com a redução das emissões, em especial da navegação internacional, e já discute metas que poderão trazer impacto na própria navegação interior, na cabotagem e até no apoio offshore no Brasil

Por Wagner Victer

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Em função dos compromissos derivados dos acordos climáticos internacionais, cada vez mais o processo de descarbonização no mundo vem sendo promovido em diversos segmentos da economia, principalmente por aqueles que são fontes emissoras relevantes e que têm combustíveis de origem fóssil como elemento importante do processo.

Especialmente no transporte marítimo internacional, a Organização Marítima Internacional (IMO, de International Maritime Organization), agência especializada da ONU criada em 1958, com sede em Londres e que conta com 175 países membros, iniciou um processo importante de discussão do tema já prevendo metas, o que certamente afetará as operações do Brasil como um dos Estados-membros, levando a novos procedimentos normativos.

O Brasil tem participado ativamente dessa discussão, sendo representado pela Marinha do Brasil por meio de sua Diretoria de Portos e Costas (DPC), junto aos diversos comitês e subcomitês que participarão das deliberações sobre esse tema.

Recentemente, participei de uma mesa de discussões sobre o assunto, promovida pela FGV Energia, com uma série de atores do setor, em especial a Marinha, para discutir e definir estratégias para o futuro em relação à postura brasileira a ser adotada.

Apesar da contribuição brasileira para emissão no segmento marítimo ser pouco relevante diante de outras atividades, inclusive em áreas como a pecuária e outros modais de transporte interno por nossa característica continental, a atenção a esse tema será fundamental. Isso ocorre porque, além de poder impactar todo o nosso mercado internacional de comércio exterior, não só das commodities onde o Brasil é exportador, também afetará o segmento de energia, de óleo, gás natural e seus derivados e até se transformará em uma oportunidade para o segmento de biocombustíveis. Além disso, as polêmicas soluções paliativas adotadas até então em navios, como os scrubbers (filtros), tendem a ser descontinuadas com uma tecnologia contemporânea associada a combustíveis mais qualificados (bio-bunkers) nesta nova era da sustentabilidade.

As definições que surgirão em reuniões e conferências acontecem a partir do meio do ano e já foram iniciadas no passado, porém serão mais conclusivas a partir do segundo semestre. Essas discussões, apesar de coordenadas pela Marinha do Brasil, envolvem não somente a comunidade marítima, mas toda a indústria, universidades e uma série de outras organizações das quais o Brasil faz parte. A participação ativa é uma oportunidade para demonstrar claramente a postura do país, o que, na prática, se associa também à adoção das melhores práticas de ESG para as empresas que aqui atuam, e em especial para as chamadas "petroleiras", como mais uma ação voltada à transição energética.

O fato é que, claramente, a IMO se demonstrou fortemente comprometida com a redução das emissões, em especial da navegação internacional, e isso poderá também trazer impacto na própria navegação interior, na cabotagem e até no apoio offshore no país, pois historicamente o Brasil tem adotado posturas similares no mercado interno e essa filosofia de adesão certamente será uma outra discussão importante. Surge o dilema de até que ponto essas medidas poderão internamente tornar esse tipo de modal, que já é pouco utilizado, ainda menos competitivo com outros modais, especialmente o rodoviário, onde essas medidas não estão talvez com metas tão desafiadoras como as para o segmento marítimo.

A IMO basicamente definiu três metas importantes para a mitigação dos impactos e que, particularmente, as considero bastante arrojadas para o país. Essas discussões devem ser aprofundadas no âmbito nacional, especialmente na indústria e na própria estratégia nacional, que são:

1- Reduzir as emissões de CO2 por carga transportada no transporte marítimo internacional em pelo menos 40% até 2030, em comparação aos níveis estabelecidos de 2008;

2- Acelerar esforços para a redução em 70% da emissão de CO2 até 2050, em comparação com os níveis existentes em 2008;

3- Atingir o pico das emissões no transporte marítimo internacional em pelo menos 50% até 2050, em comparação com os níveis de 2008.

Para atingir essas metas, são sugeridas uma série de medidas que serão colocadas em prática nos curto, médio e em longo prazos. Essas medidas inevitavelmente terão impactos em técnicas de construção de navios e até de motores. A própria tecnologia embarcada e um conjunto de novas medidas operacionais serão alteradas e isso, desde já e até antes das novas normas, deve ser considerado, pois impacta tanto em tecnologia quanto em custo para as empresas que buscam em seus planos de negócio especificar e contratar novos navios.

Em longo prazo deverão ser desenvolvidas soluções, e esse desafio também se coloca para o mercado nacional, especialmente para a questão dos navios, combustíveis, biocombustíveis de baixo e de zero carbono, com uma logística adequada para eventual mistura diferenciada e abastecimento desses novos combustíveis. Isso trará certamente um grande desafio pelo tamanho da costa brasileira e rios navegáveis, na eventual adoção de postura similar para navegação interior, cabotagem e o apoio offshore para a indústria do petróleo.

Da mesma forma, ainda não está claramente definido se o eventual atraso na aplicação dessas normas e atingimento de metas poderão ser atenuados através de sistemas de compensação de créditos de carbono, como, por exemplo, a adoção de replantio e de trocas de combustíveis em outras atividades econômicas. Outro aspecto será quanto às sociedades certificadoras que possam atuar no Brasil, para que não fiquemos dependentes de certificadoras internacionais específicas ao tema em um possível regime burocrático e cartorial. Outra questão é até que ponto essas avaliações periódicas e certificações poderão ser transferidas para as sociedades classificadoras que já atuam no país, adotando uma governança que possa ser aceita internacionalmente.

Os debates que acontecerão no âmbito internacional, e que terão desdobramentos dentro do país, requerem a participação muito presente das empresas nacionais de navegação e daquelas que atuam também no setor de petróleo. Serão bastante exaustivos, especialmente no segundo semestre deste ano de 2023. Nesse cenário, a capacidade de articulação da Marinha do Brasil é muito positiva, por sua tradição de atuação no setor, por sua representatividade e respeito que tem dentro da comunidade internacional e nacional.

Assim, o aprofundamento das medidas para verificação da intensidade da emissão de carbono e emissões absolutas do setor marítimo dentro do nosso território e relações comerciais internacionais, e a quantificação com melhor precisão dos impactos, especialmente na economicidade dessa mudança normativa e na própria indústria, devem ser aprofundados. Os aspectos devem ser vistos como oportunidades voltadas à capacidade da produção de biocombustíveis específicos para esse segmento (Bio-Bunkers) e, principalmente, como se fará toda a sua logística de distribuição no país. O que não me parece, até o momento, desafios dimensionados com o aprofundamento adequado diante dos curtos prazos para atingir as metas já estabelecidas para 2030, que são muito desafiadoras.

 

Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, Ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e Ex-Conselheiro do CNPE. Escreve mensalmente na Brasil Energia.

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