Opinião

O risco de Intervenção e a desorganização do mercado de combustíveis no Brasil

Se o país escolher tomar o caminho da intervenção e subsídio, colocará em risco o incipiente processo de abertura do mercado

Por Edmar de Almeida

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A forte desvalorização cambial e a escalada dos preços do petróleo no mercado internacional reacenderam o debate sobre a política de preços dos combustíveis no Brasil.

Desde o início do governo Bolsonaro, os preços dos combustíveis foram tema de discussões políticas devido à pressão dos caminhoneiros, sem que nenhum consenso tenha sido construído para conciliar a abertura do mercado com a redução da carestia no mercado de combustíveis. A aproximação das eleições descortina um caminho perigoso de ativismo regulatório para o mercado de combustíveis no Brasil.

Quando o país começa a dar os primeiros passos em direção à efetiva introdução da concorrência nos mercados de combustíveis líquidos, várias propostas foram apresentadas no Congresso Nacional para reduzir os preços dos combustíveis. O debate político começou por um bom caminho, com a discussão em torno de estratégias para redução da elevada carga tributária no setor. Dois projetos foram apresentados pela Câmara dos Deputados para aprimorar a cobrança do ICMS: o Projeto de Lei Complementar 11/20, que estabelece um valor fixo para a cobrança de ICMS sobre combustíveis, e o Projeto de Lei Complementar 16/21 que unifica em todo o país as alíquotas do imposto. Ambos tiveram dificuldade para avançar em função de rivalidades políticas. Discute-se agora uma PEC para autorizar os entes federativos a reduzirem impostos sobre combustíveis.

Entretanto, até agora não foi possível criar um consenso político para avançar no plano da desoneração tributária. Dada esta dificuldade, o Senado Federal propôs a criação de um fundo de estabilização de preços e um novo imposto para subsidiar combustíveis fósseis no Brasil. Trata-se do Projeto de Lei (PL) 1.472/21, que cria bandas móveis de preços de combustíveis, financiadas por diversas fontes de recursos ligados ao setor petrolífero, entre elas um novo imposto sobre exportação de petróleo bruto. Esta nova estratégia de subsídios aos combustíveis vem ganhando força sem amparo de avaliações mais criteriosas, e representa uma real ameaça ao atual mercado de combustíveis brasileiro. Trata-se de um caminho que, uma vez iniciado, não apenas reduzirá a atratividade do segmento de exploração e produção, como também pode criar um círculo vicioso de intervencionismo e subsídios.

A implementação do fundo de estabilização de preços, como previsto no PL, implicaria na transferência de recursos públicos para os fornecedores de combustíveis. Tal transferência certamente terá que passar pelo escrutínio político e pela fiscalização das instituições de controle como o TCU, além da regulação da ANP. Algumas questões legítimas seriam colocadas imediatamente. Por exemplo: como garantir que quem recebeu este recurso realmente reduziu os preços em um ambiente de preços livres? A resposta mais fácil e certeira para esta pergunta seria o governo decidir qual o preço justo após o pagamento do subsídio e fixar este preço como contrapartida para pagamento do subsídio. Mas como definir preços justos considerando as diferenças nos custos de suprimento em cada região e a diversidade da carga tributária nos estados? Qual seria o preço justo do combustível importado? Seria necessário fixar preços por região, e teríamos que tomar como referência os preços spot no mercado internacional, que muitas vezes pouco tem a ver com os preços das cargas importadas.

Não podemos nos iludir. O controle direto ou indireto dos preços dos combustíveis no país exigirá forte intervenção no mercado, por meio de um complexo arcabouço regulatório. A disputa regulatória pela renda setorial irá desencadear o círculo vicioso da intervenção, no qual nova regra introduzida gera a necessidade da criação de outra para corrigir distorções em alguma dimensão do mercado.

Se o país escolher tomar o caminho da intervenção e subsídio, colocará em risco o incipiente processo de abertura do mercado de combustíveis. Mais uma vez estaríamos afugentando produtores e importadores privados no mercado de combustíveis, com o risco de assistirmos à volta da Petrobras como importadora e refinadora única. Esperemos que as autoridades energéticas não tomem esta decisão sem um mínimo de análise, reflexão e diálogo com os stakeholders.

Edmar de Almeida é professor licenciado do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do IEPUC

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