Opinião

O PDE 2031 e as restrições hidráulicas

O Plano contribui significativamente para a segurança energética ao quantificar a consequência agregada das restrições sob diferentes ângulos

Por Jerson Kelman

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Entre outras virtudes, o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2031), elaborado pela EPE e recentemente colocado em consulta pública pelo MME, incorpora o efeito de restrições operativas das usinas hidroelétricas “reveladas” durante a crise hídrica do biênio 2020/2021. Como se sabe, a necessidade de lidar resolutamente com essas restrições foi uma das razões para criação da CREG. Tipicamente, são limites inferiores impostos aos níveis ou às defluências dos reservatórios que, antes do PDE 2031, não eram representadas nos modelos matemáticos.

Em agosto de 2021 argumentei que “essas restrições vêm sendo acatadas em geral com pouca discussão, possivelmente devido ao 'efeito carona' do MRE sobre os agentes de geração hidroelétrica. Raramente se avalia as consequências econômicas e, principalmente, se seria ou não possível realizar intervenções para atenuá-las”. Em alguns casos, o custo pode ser astronômico.

O PDE 2031 contribui significativamente para a segurança energética ao quantificar a consequência agregada das restrições sob diferentes ângulos (Seção 2.3.1 - Impacto das Restrições Operativas no Caso Base, a partir da página 70). Faz isso por meio de simulações do SIN com 2.000 cenários hidrológicos, comparando os resultado com e sem as restrições da vida real. Por exemplo, para o ano de 2025:

a) Em julho, a diferença de geração média é cerca de 1.000 MWmed. Significa que, se prevalecesse o interesse do setor elétrico, a água deveria ser mantida em estoque. Porém, devido às restrições de vazão mínima, a decisão será gastá-la. Isso explica parcialmente “a dificuldade das usinas hidrelétricas em encher os reservatórios”;

b) Em maio, fim da estação úmida, o “modelo sem” apresenta cerca de 50% de probabilidade de terminar o período úmido totalmente cheio. No “modelo com” essa probabilidade é de apenas 20%;

c) Em novembro, fim da estação seca, o “modelo sem” zera a geração hidráulica no Nordeste para o patamar de carga leve em pouco mais de 30% dos 2.000 cenários hidrológicos. Porém, no “modelo com” essa economia de água não é possível em nenhum dos cenários.

Esses resultados e outros apresentados no PDE 2031, aqui não tratados, têm o mérito de dar visibilidade à diminuição da garantia física do conjunto das usinas hidroelétricas por efeito das restrições que resultam no aumento do custo médio de energia e na diminuição da competitividade do país.

O PDE 2031 não questiona, nem caberia questionar, quais restrições são intransponíveis e quais poderiam ser solucionadas com atraentes relações benefício-custo. Em outubro de 2021 disse que ANA e ONS poderiam “responder conjuntamente a essa pergunta, examinando cada uma das restrições operativas, caso a caso, para avaliar a relação custo-benefício das eventuais soluções”. Mas que a melhor maneira de identificar esses low hanging fruits seria por meio de “um procedimento para incentivar os empreendedores em geral (não apenas os geradores) a propor obras e/ou equipamentos que sirvam para eliminar ou abrandar as restrições operativas, em troca de uma pequena participação nos correspondentes ganhos energéticos, à semelhança do que ocorre com as ESCOs” .

Por exemplo, uma restrição de nível mínimo causado pelo posicionamento de uma tomada de água para abastecimento público ou irrigação, que pode custar aos consumidores de energia elétrica milhões ou mesmo bilhões de reais a cada ano, talvez possa ser eliminada com a construção de uma pequena obra que custe, apenas uma vez, alguns milhares de reais.

Sugestão para a Aneel: avaliar se há maneira infralegal de implementar algum incentivo regulatório para tomar partido desses potenciais ganha-ganha.

Jerson Kelman foi o principal dirigente da ANA, Aneel, Light e Sabesp

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