Opinião

É fundamental a contratação de térmicas emergenciais

A experiência aponta para a mobilização emergencial de sistemas complementares e permanentes de geração durante alguns anos, até a recomposição progressiva de capacidade plurianual dos reservatórios

Por Wagner Victer

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Por ter vivenciado a crise energética de 2001 como secretário de Energia, Indústria Naval e do Petróleo do Estado do Rio de Janeiro, e depois, por fazer parte do grupo de gestão que atuou com eficácia e sob coordenação do então ministro Pedro Parente para mitigar o problema, tenho sido consultado e produzido informações - e até sugestões - que derivam daquela experiência de enfrentamento de situação similar à que nos atinge hoje. Lembro que, já naquela época, alertei o governo federal sobre o risco do racionamento e de suas consequências.

Assim, posso dizer que o cenário atual aponta para a necessidade de fortes investimentos e de uma comunicação objetiva para a redução de demanda e para a conservação e uso eficiente de energia. Esse é o meio de atuação mais barato e mais rápido no curto prazo. Porém, é fundamental também buscar uma expansão ágil e de caráter emergencial da oferta de geração no Brasil, especialmente de forma distribuída, para tentar aplacar os impactos que podem surgir da crise energética de agora, marcada pelos baixíssimos níveis dos reservatórios das hidrelétricas.

O primeiro ponto a entender com clareza é que o nível e a recomposição dos reservatórios não são problemas de fácil solução e que não serão resolvidos em somente um ano, mesmo que os próximos períodos de chuvas sejam favoráveis - possivelmente, serão necessários muitos anos de recuperação. Até porque a exposição do fundo dos reservatórios (que estavam permanentemente pressurizados) às intempéries não estabelece uma relação linear entre o volume perdido e o volume recomposto, pois se perde a impermeabilização histórica, e esse fenômeno requer uma cautela muito especial.

A experiência aponta para a mobilização emergencial de sistemas complementares e permanentes de geração durante alguns anos, até a recomposição progressiva de capacidade plurianual dos reservatórios e a modificação contínua de uma matriz que, aliás, reduziu a sua dependência de geração hídrica em relação ao ano de 2000, que era da ordem de 83% e que passou a ser, atualmente, da ordem de 62%.

As soluções praticadas na crise de 2001, que certamente espelham a edição pelo Ministério das Minas e Energia da Portaria Normativa Nº 24/GM/MME, de 17/09/2021, devem ser adotadas e suportadas. A questão da colocação das chamadas térmicas emergenciais sob regime de contratação simplificado (Artigo 3º § 1º), para funcionarem como uma reserva de capacidade imediata de forma distribuída ao longo das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, tem importante colaboração para a segurança do sistema elétrico no curto prazo.

No passado essa solução foi implantada prioritariamente no subsistema elétrico do Nordeste, por meio de pequenas térmicas que, logicamente, geraram grande impacto ambiental, pois eram à base de diesel e de óleo combustível, aspecto bastante polêmico não só do ponto de vista ambiental, como também de custo para o sistema. Mas tal arranjo técnico foi necessário, pois não havia gás natural disponível em diversas regiões.

Fato é que esses novos sistemas de reserva de capacidade tenderão a flutuar em suas capacidades instaladas para serem economicamente viáveis, com uma janela possivelmente entre 30 MW a 150 MW, distribuídos especialmente próximos aos grandes centros de carga demandantes que estão mais críticos, em especial nos submercados Sudeste/Centro-Oeste e Sul. Com isso, também reduzirão o impacto no carregamento de linhas de transmissão entre subsistemas elétricos.

A grande vantagem nessa nova chamada prevista para breve é que atualmente os sistemas são mais eficientes que em 2001, e hoje temos fabricantes como Wärtsilä, CaterPillar e MAN, entre outros, que possuem motogeradores bem mais eficazes termicamente e a gás natural, praticamente em “prateleiras”, reduzindo o caminho crítico do passado para aquisição desses equipamentos, quando havia ainda certa restrição na oferta e no tamanho nos mercados nacional e internacional. Aliás, naquele contexto, muitos empreendedores foram obrigados a recorrer a equipamentos usados e de baixo rendimento.

Para viabilizar esses sistemas emergenciais, medidas como a priorização no licenciamento ambiental devem ser perseguidas, devido ao baixo impacto de emissão e de captação de água. Esse processo precisa do comprometimento firme dos órgãos ambientais que venham a licenciá-los, pois é fundamental considerar que projetos como esses necessitam ser factíveis para serem implantados de 6 a 8 meses, ou até antes, dependendo da proximidade que se tenha das linhas de transmissão onde deve ser buscar a conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Na seleção dos projetos - já que se adotarão sistemas simplificados de contratação pela Aneel - é preciso atenção para as melhores práticas de governança e compliance, que devem ser rigidamente observadas e monitoradas de perto. Isso evitará práticas indevidas de escolhas de projetos não factíveis, empreendedores sem expertise prévia, “aventureiros energéticos” e, até mesmo, a eventual manipulação por órgãos locais de licenciamento para direcionamento de escolha de projetos. Apesar da necessidade urgente, traz preocupação o início do processo diante do curtíssimo prazo de somente 10 dias após a emissão da Portaria para pré-cadastramento junto ao EPE, conforme previsto no Artigo 8º, § 1º da Portaria.

Nesse cenário, a mobilização da chamada reserva de capacidade para térmicas de contratação simplificada deve realmente ser priorizada. O governo, por sua vez, pode definir a potência a ser contratada, que será dimensionada pela EPE. Estimo que este montante poderá ficar entre 5 GW a 8 GW. Existe também a expectativa de que esses empreendimentos se localizem prioritariamente na região Sudeste, especialmente no Rio de Janeiro, onde temos grandes chegadas de gás natural. Tal fato deve ser corroborado pelo aspecto competitivo, porque o gás natural deverá ser alternativa de menor custo do que o diesel e o óleo combustível, inclusive pela carga de ICMS, já que o gás natural tem seu diferimento devido ao Programa de Incentivo à Termelétricas em alguns estados como o Rio de Janeiro, por meio da Lei Estadual 9.214/21, de 18 março de 2021.

A viabilização dos sistemas de geração a gás natural, que traz preços mais competitivos, vai também requerer um esforço maior das distribuidoras estaduais de gás e das produtoras, em especial da Petrobras, que sempre se mostrou proativa em desafios como esse, quando se busca uma maior flexibilização na contratação das demandas, por não terem caráter final de despacho permanente e sim de reserva de carga pela qual se obtém menor risco com uso de combustíveis líquidos, porém mais impactantes ao meio ambiente, com custos bem superiores e com máquinas de menor perfil de aproveitamento futuro por descomissionamento.

No Rio de Janeiro, a região do entorno dos municípios de Itaboraí/Maricá e a Baixada Fluminense, com a nova oferta de gás advinda de rotas como o Gasoduto Rota 3, que chega no primeiro semestre do 2022, com planta de regasificação de GNL e com a proximidade a linhas de transmissão, tem um imenso potencial para receber grande parte dessas termelétricas, que logicamente devem ser escolhidas pelo menor preço de reserva e do despacho. Na região Centro-Oeste, que se encontra associada ao subsistema elétrico do Sudeste, porém distante do centro de gravidade da carga, há um eventual potencial para esses sistemas por excedente de gás da Bolívia, ainda que devam ser avaliados os riscos institucionais dessa importação.

Diante do período hídrico desfavorável e da recomposição dos níveis em reservas plurianuais, essas contratações tendem a operar na base, durante o período contratado, e considero tendência que, futuramente, após o período contratual, se configurem como sistemas complementares para despachos em momento de ponta, com prazos bem superiores aos do período de maio de 2022 a dezembro de 2025, com potencial aumento de margem do empreendedor e com o impacto do capex no empreendimento. O lado positivo de sistemas como esses é que seu processo de descomissionamento futuro oferece uma oportunidade de valor residual significativo, pois podem, após o prazo do contrato da reserva, serem recontratados e virarem sistemas de geração distribuída, inclusive para grandes complexos industriais, aliviando até mesmo o sistema interligado, mesmo após cumprido seu fim principal.

A situação, portanto, é bastante preocupante e envolve a adoção de medidas extremamente rápidas, transparentes, com a consciência de que a energia mais cara que se tem é a energia que pode faltar. Assim, as ações derivadas da Portaria 24 do MME, se bem gerenciadas, serão fundamentais para evitar que, no futuro, vivamos situações como a que atualmente enfrentamos.

Wagner Victer é engenheiro, administrador, ex-secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo e ex-conselheiro do CNPE

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