Opinião

Quem se responsabiliza pelo que fala?

Governos, políticos e órgãos reguladores têm responsabilidade sobre a discussões públicas que afetam setores da economia e ações das empresas listadas na bolsa

Por Paula Kovarsky

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O mercado financeiro costuma antecipar e precificar determinados eventos em função da probabilidade deles acontecerem, por vezes com um certo exagero. E quando o evento finalmente acontece, a reação acaba sendo inversa, uma vez que quem acertou a tendência ou o “call” vai querer monetizar este acerto, colocando o dinheiro no bolso. Ou simplesmente o cenário vai mudando e outros assuntos tomam conta da pauta. Mas é fato que o mercado avalia com muito critério a equação de risco e retorno dos investimentos, sejam eles de curto, médio ou longo prazos.

Um cenário de incerteza, especialmente quando ela é difícil de quantificar, pode ter consequências importantes na percepção de risco do mercado em relação a uma empresa, um setor, ou até um país. Para um investidor sentado num escritório nos Estados Unidos ou na Europa, muitas vezes fica difícil não acreditar em determinadas notícias quando elas têm como fonte um agente do governo, um político relevante ou um órgão regulador. O que dizer de um investidor na Ásia, em fuso completamente diferente do nosso, que mal teve tempo de digerir uma determinada notícia e logo ouve outro interlocutor de relevância dizer o contrário?

Olhando especificamente para empresas listadas, existem regras muito claras sobre informações que podem ou não ser divulgadas, e obrigatoriedade de dar transparência a todos os investidores de maneira uniforme. Cabe ressaltar que a CVM imputa a cada profissional que se comunica com stakeholders, seja ele financeiro ou não, responsabilidade sobre dados ou opiniões divulgadas, especialmente quando isso gera variações exacerbadas no preço das  ações da empresa em questão.  

Nos últimos tempos tenho me perguntado onde estaria a responsabilidade de governos, políticos e órgãos reguladores sobre discussões públicas que têm impacto relevante sobre determinados setores da economia e nas ações das empresas listadas na bolsa de valores. Focando mais especificamente no tema  energia, basta olhar o gráfico de performance das ações da Petrobras nos últimos dez anos. A empresa chegou a valer R$ 510 bilhões no auge da euforia com as descobertas do pré-sal, para perder metade do valor em função da forma como foram conduzidas as discussões sobre a mudança na lei do petróleo e implementação dos contratos de partilha, seguida da capitalização da companhia. Quanto custou à Petrobras o congelamento de preços dos combustíveis, gerando perdas e endividamento elevado tendo o controle da inflação como justificativa? Quanto caíram ou subiram as ações da empresa cada vez que alguém do governo ou um regulador discutiu este assunto publicamente? 

O tema dos  preços dos combustíveis ganhou proporção ainda maior em função da greve dos caminhoneiros ocorrida em maio do ano passado, mas principalmente pela forma como o tema vem sendo discutido desde então. Pela primeira vez em mais de uma década o mercado brasileiro caminhava na direção da paridade internacional para os preços domésticos, chegando a ter reajustes diários em função da variação dos preços das commodities no mercado internacional e do câmbio. Mas a infeliz combinação de aumento dos preços internacionais aliado à desvalorização da moeda brasileira fez com que os preços em reais subissem 15% no curto período de seis meses, servindo como justificativa para uma greve sem precedentes que parou o país às vésperas das eleições presidenciais.

Como se as perdas causadas pela paralisação do país e da atividade econômica não fossem suficientes, iniciou-se uma discussão pública, politizada e por vezes pouco educada sobre as reais causas do aumento dos preços, numa busca improdutiva por vilões e mocinhos. Temas importantes como transparência foram confundidos com livre concorrência e respeito a contratos. Grupos políticos específicos aproveitaram a oportunidade para buscar pautas isoladas com risco  de aumento dos preços para o consumidor final em função de menor eficiência, e não o contrário. No entanto, pouco se falou sobre impostos e as graves distorções que o não pagamento dos mesmos gera no ambiente competitivo e no mercado em geral.

Todos esses temas foram discutidos de forma pouco ordenada e difusa, não só na mídia mas nos bastidores e em reuniões de diferentes interlocutores com grupos específicos de investidores, por exemplo. De uma hora para outra, um setor percebido e avaliado como seguro e relativamente defensivo pela maioria dos investidores virou tema de sucessivos relatórios sobre incerteza regulatória, concorrência irregular e até risco político.

As estatísticas dos times de Relações com Investidores dos players listados sobre a incidência do tema regulatório nas conferências dos bancos, teleconferências de resultados e interações com o mercado, bem como o impacto na precificação das ações do setor, estão aí para quantificar os impactos. E nenhum interlocutor do governo, da política ou dos órgãos reguladores foi chamado a responder sobre a responsabilidade de falar publicamente sobre o tema de forma talvez pouco organizada, incompleta e nem sempre transparente. 

Nosso trabalho é ajudar o mercado a separar o joio do trigo. Mas com tantos interlocutores teoricamente qualificados, essa tarefa pode se tornar inglória. E no limite, com tantas alternativas de investimento mundo afora, a percepção de risco pode simplesmente tirar empresas, um setor ou até um país do radar do mercado. Quando isso acontece, recuperar a confiança pode ser demorado e custar muito caro. 

Paula Kovarsky é Head of US Office e diretora de Relações com Investidores da Cosan desde 2015, com mais de 20 anos de experiência no setor de Óleo & Gas

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