Opinião

Os desafios para o escoamento da geração de energia

A exploração do potencial energético renovável em larga escala nos locais de maior eficiência dependerá do desenvolvimento, em igual escala, do potencial de transmissão e escoamento dessa energia, aponta em artigo Frederico Accon, do Stocche Forbes Advogados

Por Frederico Accon

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Coautor: Mariana Saragoça

 

Historicamente, sempre se reconheceu o potencial energético brasileiro com sua vocação para a geração de energia elétrica por meio de fontes renováveis.

Nossa disponibilidade de recursos naturais permitiu o desenvolvimento de um robusto sistema elétrico fundado, em grande parte, na geração de energia hidrelétrica e que, ano após ano, vem ganhando o reforço das energias de fonte solar e eólica, sem contar o já aclamado futuro potencial para produção do hidrogênio verde.

Sem dúvida, a exploração energética de fontes renováveis pode ser fundamental para o desenvolvimento econômico-social, garantindo a geração de energia barata e ainda possibilitando o cumprimento das metas ESG e, tão logo, o cumprimento das metas ambientais e a comercialização de créditos de carbono.

Por outro lado, dada sua própria característica de dependência dos recursos naturais, a maior eficiência da geração de energia elétrica por fontes renováveis está diretamente relacionada à sua localização o que, não necessariamente, garantirá a geração próxima aos centros de carga.

Dessa forma, de modo a garantir a exploração eficiente do potencial energético, foi estruturado o Sistema Interligado Nacional (SIN), coordenado e controlado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que permite, por exemplo, que o potencial hidráulico da região Norte – com as UHEs de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte – ou mesmo o potencial eólico do Nordeste seja distribuído por todo o Brasil.

Dada sua relevância, ainda hoje são realizados estudos e investimentos para que regiões ainda isoladas em estados como Acre, Rondônia, Amazonas e o próprio estado do Roraima sejam interligadas ao SIN e possam substituir a custosa geração termelétrica alimentada à óleo diesel pela energia oriunda de fontes renováveis.

Ainda que hoje se observe um crescimento da geração de energia próximo à carga – em especial em razão do boom da instalação da chamada mini e microgeração distribuída –, é importante destacar que a exploração do potencial energético renovável em larga escala nos locais de maior eficiência dependerá do desenvolvimento, em igual escala, do potencial de transmissão e escoamento dessa energia.

Não à toa, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estimou em R$ 50 bilhões os investimentos nos ativos de transmissão até 2024, dos quais R$16 bilhões já anunciados para o Leilão de Transmissão nº 01/2023, previsto para o mês de junho.

Ainda assim, deve-se reconhecer que o sistema em operação e em implantação pode não ser suficiente para garantir o escoamento da integralidade dos projetos de geração de energia, minimamente em alguns locais ou no prazo esperado pelos empreendedores.

Neste ponto, vale lembrar que o término do desconto nas Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição/Transmissão concedido para os empreendedores que solicitassem outorga após março de 2022 – como estabelecido pela Lei nº 14.120/2021 – promoveu uma corrida por outorgas de geração, o que ainda foi facilitado pelo Decreto nº 10.893/2021, que isentou tais empreendedores de apresentarem os documentos de acesso ao SIN para a obtenção de outorga, produzindo uma quantidade gigantesca de pedidos de outorga a serem avaliados pela Aneel.

Para tanto, a Aneel já editou sua Resolução Normativa nº 1.038/2022, que estabeleceu os procedimentos e diretrizes para o processo de solicitação de outorga de geração sem o documento de acesso.

Ainda com este primeiro passo, faz-se necessário estabelecer os procedimento e diretrizes para garantir a segurança jurídica necessária ao acesso ao SIN e que pode estar sendo desenhado pela Consulta Pública nº 148/2022 que pretende discutir a realização de procedimento competitivo para a contratação de margem de escoamento, como também previsto no Decreto nº 10.893/2021.

A referida Consulta Pública detalha a sistemática proposta para a realização do Procedimento Competitivo para a Contratação de Margem de Escoamento para Acesso ao SIN, prevendo a realização de leilões para barramentos específicos, quando os agentes deverão apresentar propostas de valores ascendentes pelo direito de conexão.

Para tanto, a proposta prevê que o processo competitivo deverá indicar os pontos de acesso disponíveis, com as respectivas potências, garantindo o acesso aos empreendedores que ofertarem os maiores valores pela conexão.

Essa nova dinâmica trará um desafio adicional para os empreendedores de geração que, além dos riscos já conhecidos para obtenção do licenciamento ambiental, regularização fundiária, construção dos empreendimentos e comercialização da energia, ainda deverão avaliar as questões referentes à garantia do acesso ao SIN, risco este que pode, inclusive, impedir a fruição dos descontos nas tarifas de uso caso os empreendimentos não iniciem sua operação em até 48 meses contados da outorga, como também previsto na Lei nº 14.120/2021.

Todo este cenário exigirá um intenso trabalho das instituições setoriais, em especial da Aneel, EPE e ONS, de modo a garantir a concatenação do desenvolvimento desse potencial energético, com a capacidade de escoamento do sistema e ainda com a necessidade do consumo.

Para tanto, espera-se que já no início do ano de 2023 os gargalos para a emissão das outorgas sejam solucionados para que, juntamente com o planejamento setorial da expansão da transmissão e a definição dos procedimentos para acesso ao SIN, possamos ter um ambiente mais seguro para a atração de investimentos e o desenvolvimento do setor.

Frederico Accon é advogado sênior e sócio do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no setor elétrico.

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