Opinião

No Programa Combustível do Futuro, faltou o hidrogênio sustentável

A busca pelo protagonismo brasileiro na transição energética exige uma combinação de esforços em várias frentes e, para isso, o Programa Combustível do Futuro deve estar alinhado com o PNH2

Por Mariana Mattos

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Recentemente (14/9), o governo encaminhou ao Congresso o projeto de lei (PL) do Programa Combustível do Futuro, com um conjunto de propostas para promover a mobilidade sustentável de baixo carbono. O PL institui o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV), a regulamentação dos combustíveis sintéticos e traz ainda um marco legal da captura e estocagem de CO2. E o hidrogênio sustentável? Nesse PL o hidrogênio não é sequer mencionado.

Deixar o hidrogênio sustentável de fora do Programa Combustível do Futuro é um erro, e vejamos por quê. Em agosto o MME apresentou o Plano de Trabalho Trienal 2023-2025 do Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2)1. O plano ressaltou a posição de destaque do Brasil no cenário global da transição energética e do avanço tecnológico do hidrogênio, beneficiando-se da abundância de recursos energéticos renováveis.

Uma das ações prioritárias destacadas pelo MME no lançamento do plano é aumentar os investimentos anuais em pesquisa, desenvolvimento e inovação em hidrogênio sustentável (ou de baixa emissão de carbono, como chamado no Plano Trienal), de R$29 milhões em 2020 para R$200 milhões ao ano em 2025. O plano não aponta, porém, de onde virão esses recursos. A inclusão do hidrogênio no PL poderia ajudar a garantir os recursos necessários ao PNH2.

O Plano de Trabalho Trienal definiu uma estratégia de hidrogênio para o país baseada em três marcos temporais: disseminação de plantas piloto de hidrogênio de baixo carbono em todas as regiões do país até 2025, consolidação do Brasil como o mais competitivo produtor de hidrogênio de baixa emissão de carbono do mundo até 2030 e consolidação de hubs de hidrogênio de baixo carbono no Brasil até 2035.

O plano não aponta, no entanto, objetivos concretos a serem alcançados dentro desses três marcos temporais, ou seja, não foram definidas metas de capacidade de produção de hidrogênio e preço. Quantas toneladas/ano de hidrogênio de baixo carbono o Brasil estará produzindo até 2035? Quantos R$/kg vai custar esse hidrogênio?

Em relação à capacidade de produção, o Plano Trienal menciona que “o Brasil contabiliza potencial técnico para produção de hidrogênio superior a 480 Mt/ano”. Essa estimativa parece um tanto desconexa da realidade, já que a Agência Internacional de Energia (IEA) estima uma produção mundial de hidrogênio de 200 Mt/ano em 2030 e de 530 Mt/ano em 2050.2 Para ter uma ideia do quanto 480 Mt/ano representa, basta notar que, atualmente, o Brasil produz cerca de 0,6 Mt/ano de hidrogênio.

A busca pelo protagonismo brasileiro na transição energética exige uma combinação de esforços em várias frentes e, para isso, o Programa Combustível do Futuro deve estar alinhado com o PNH2. A explicação é simples. A produção de combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês) e diesel verde exige, na maioria das rotas, fornecimento de hidrogênio, seja para hidrotratamento de óleos e gorduras, hidrogenação de derivados de biomassa, ou mesmo reação do hidrogênio com CO através da síntese de Fischer-Tropsch. Isso significa que, para aumentar a produção de SAF e diesel verde, é preciso fomentar a produção de hidrogênio de baixo carbono.

Destaca-se aqui que o hidrogênio sustentável utilizado nessas rotas pode ser produzido a partir de biomassas e biocombustíveis (o chamado “hidrogênio musgo”3).

Além dessa interface entre o Combustível do Futuro e o PNH2, há também a integração entre os processos de produção de hidrogênio a partir de combustíveis fósseis com a captura e armazenamento do CO2 que é gerado nesses processos (o chamado “hidrogênio azul”).

Fica claro, portanto, que o Programa Combustível do Futuro e o PNH2 estão inter-relacionados e que o PL deveria fazer menção explícita ao hidrogênio de baixo carbono.

 

1 https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/PlanodeTrabalhoTrienalPNH2.pdf

2 International Energy Agency. “Net Zero by 2050: A Roadmap for the Global Energy Sector.” 2021. Disponível em: https://iea.blob.core.windows.net/assets/deebef5d-0c34-4539-9d0c-10b13d840027/NetZeroby2050-ARoadmapfortheGlobalEnergySector_CORR.pdf

3 EPE – Empresa de Pesquisa Energética. “Bases para a Consolidação da Estratégia Brasileira de Hidrogênio”. 2021. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/nota-tecnica-bases-para-a-consolidacao-da-estrategia-brasileira-do-hidrogenio

 

 

Mariana Mattos é Professora Titular da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o Laboratório de Tecnologia do Hidrogênio (LabTecH). Escreve na Brasil Energia a cada quatro meses.

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