Opinião

Biocombustíveis sólidos

Apesar da vocação brasileira para usar biocombustíveis sólidos (toras, cavaco e resíduos de madeira, bagaço e palhas da cana, resíduos sólidos urbanos e da indústria moveleira, carvão vegetal e pellets de biomassa), há uma visão preconceituosa contra eles

Por Jayme Buarque de Hollanda

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Um casal quando quer ter filhos, normalmente recorre às práticas tradicionais. Como alternativa, o homem pode se dirigir a um banco de sêmen, a mulher a um banco de óvulos e contratarem um caríssimo procedimento para fazer a fertilização in vitro.

Quando leio algumas matérias sobre H2V e sequestro de carbono no Brasil me parece que, na busca da descarbonização, muita gente prefere, metaforicamente, as opções tecnificadas para terem filhos.

Sabidamente, a forma mais natural e barata para sequestrar CO2 é plantando árvores. O Brasil se comprometeu (COP25) a reflorestar 12 milhões de hectares. Deveríamos estar estudando como atender o compromisso. A meu ver, isto só vai avançar se as florestas forem associadas a uma atividade econômica, com destaque para a produção de fonte primária de energia. Sem sazonalidade, como outras fontes renováveis, intensiva em mão de obra (tanto na implantação quanto na operação) enseja, também, o reflorestamento com espécies nativas e a recuperação da biodiversidade.

Quando ouço alguém propor o uso do H2V como redutor siderúrgico para reduzir as emissões, me pergunto se a pessoa sabe que o Brasil já é o maior produtor mundial de “aço verde” usando carvão vegetal ( https://avb.com.br/primeira-usina-siderurgica-carbono-neutro-do-mundo-2/) .

A geração elétrica com biocombustíveis no Brasil (17 GW instalados) é feita em sistemas de cogeração com elevada eficiência energética nas indústrias sucroalcooleira, papeleira e, mais recentemente, do etanol do milho.

Na Inglaterra, a Drax substituiu o carvão mineral por pellets de madeira importados dos EUA e Canadá. A partir de 2023 está equipada para gerar 14 TWh em 4 unidades de 645 MW (https://www.drax.com/uk/press_release/drax-ends-half-a-century-of-coal-fired-power-generation/). Constatei que, por aqui, mesmo especialistas em energia nunca ouviram falar nos “pellets”, densificados de biomassa, que substituem diretamente combustíveis fósseis para a produção de calor. A produção de pellets no Brasil, porém, cresceu 16% ao ano na última década, hoje em grande parte exportada.

(fonte: https://pelletsdemadeira.blogspot.com/ )

Apesar da vocação brasileira para usar biocombustíveis sólidos, há uma visão preconceituosa contra eles. Em 2005 quando o escopo da ANP foi ampliado para incluir os biocombustíveis, normalmente entendidos como “combustível com origem na biomassa e não fóssil”, biocombustível foi assim definido na PNE-Política Energética Nacional:

“Art. 6º - XXIV - Biocombustível: substância derivada de biomassa renovável, tal como biodiesel, etanol e outras substâncias estabelecidas em regulamento da ANP, que pode ser empregada diretamente ou mediante alterações em motores a combustão interna ou para outro tipo de geração de energia, podendo substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil.”

A intenção da definição, ao citar os motores de combustão interna, foi reduzir a abrangência da responsabilidade da ANP ao etanol, biodiesel, querosene e biogás. Como resultado, os biocombustíveis sólidos (toras, cavaco e resíduos de madeira, bagaço e palhas da cana, resíduos sólidos urbanos e da indústria moveleira, carvão vegetal e pellets de biomassa) são as únicas formas de energia produzidas, estocadas, comercializadas e exportadas sem qualquer regulamentação energética. Em parte, seu uso para fins energéticos não é contabilizado no Balanço Energético Nacional – BEN, do MME.

Que tal a gente conversar um pouco mais sobre biocombustíveis sólidos?

Jayme Buarque de Hollanda é engenheiro eletrônico e preside o Conselho Diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética - INEE.

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