Opinião

O Amapá é aqui

Nas sociedades industriais, a segurança energética é um bem econômico de valor incalculável

Por Adilson de Oliveira

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Um apagão mergulhou o Amapá na escuridão na primeira terça-feira de novembro. Um incêndio na estação que recebe a energia do Sistema Interligado Nacional (SIN) inviabilizou a distribuição de eletricidade para a população local. Sem energia elétrica, cerca de 800 mil brasileiros tiveram seu abastecimento de água potável interrompido, suas transações comerciais paralisadas e suas comunicações inviabilizadas. O Amapá vive situação caótica, marcada por protestos contidos pela polícia militar.

Passada uma semana do incêndio, as autoridades do setor elétrico informam que a normalização do suprimento elétrico deverá ocorrer em dezembro. O MME indicou considerar necessário revisar as condições do suprimento estadual para garantir a confiabilidade energética do Amapá. Nesse ínterim, a população local terá que conviver com o racionamento de energia, que será suprida em rodízios horários. A economia local, já duramente afetada pela crise do Coronavirus, infelizmente sofrerá forte baque adicional.

As informações disponibilizadas pelas autoridades setoriais não permitem identificar o que causou o incêndio na subestação. Uma comissão composta pelo MME e representantes das empresas envolvidas na gestão do suprimento energético do Amapá foi criada para dar uma resposta à sociedade. No entanto, nem a Aneel nem o ONS integram essa comissão. A presença desses agentes na Comissão é essencial para dar transparência às suas conclusões e agilidade nas decisões que devem ser tomadas para garantir a normalidade do suprimento elétrico do estado.

O evento do Amapá não deve ser visto como um acidente improvável, ainda que não previsível. Na realidade, as periferias do SIN vivem sob o permanente risco de racionamento de energia, em casos de eventos similares ao ocorrido no Amapá. Fundamentalmente dependente da energia acumulada nos reservatórios hidrelétricos, a confiabilidade do suprimento elétrico está sujeita à boa gestão desses reservatórios, mas, principalmente, da capacidade do ONS de estabilizar a rede de transporte do SIN em eventos similares.

Em períodos de forte estiagem, como o que atualmente assola a maior parte do território nacional, o ONS necessita despachar centrais térmicas para mitigar o risco de racionamento. Realizar esse despacho, respeitando regras pré-estabelecidas de confiabilidade para o suprimento e de redução de custos, sem comprometer o suprimento elétrico, não é tarefa simples. Evidentemente, essa tarefa não pode ficar sujeita a interesses econômicos ou políticos específicos.

Uma análise superficial da capacidade instalada do parque gerador termelétrico sugere situação bastante confortável para o ONS atender à demanda de energia elétrica do SIN, mesmo em situações de pluviometria desfavorável. No entanto, boa parte desse parque termelétrico não se encontra em condições operacionais, seja por falta de suprimento de gás natural, seja por diversas centrais estarem com sua vida econômica útil vencida.

As condições de suprimento elétrico na região Sul do país oferecem um claro indicador dessa situação. Cerca de 1000 MW das centrais térmicas instaladas na região não podem ser despachadas pelo ONS, pelas razões apontadas no parágrafo anterior. Essa situação obriga a importação temporária 1400 MW da Argentina para garantir o suprimento elétrico regional. Qualquer evento similar ao da estação do Amapá, do lado brasileiro ou argentino, terá efeitos na região sul que serão similares aos enfrentados atualmente naquele estado.

Centrado nas privatizações, o governo negligencia a importância da segurança energética para a vida socioeconômica do país. Como nos ensina o racionamento de energia elétrica do início deste milênio, as perdas provocadas por crises de abastecimento de energia ultrapassam largamente os benefícios almejados com privatizações irrefletidas. Nas sociedades industriais, a segurança energética é um bem econômico de valor incalculável.

Adilson Oliveira é professor Titular da Cátedra Antônio Dias Leite /Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ

Outros Artigos