Opinião

O papel do Brasil na produção de hidrogênio verde

O país pode se transformar em uma potência de exportação de H2 verde, com políticas de incentivos e um arcabouço regulatório favorável que estimulem a implementação de projetos de larga escala

Por Ieda Gomes

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Na trilha para Net Zero em 2050, existe um consenso sobre o papel prepoderante da energia renovável, em particular dos chamados “low hanging fruits”, ou seja, eólicas onshore, solar fotovoltaica e, onde a geografia e clima permitem, da energia hidroelétrica e biomassa. Em diversos países, mais recentemente no Brasil, os investidores têm procurado desenvolver energia eólica offshore. Outras tecnologias, como energia maremotriz e geotermia, ainda estão em um patamar pouco avançado, em função de custos e eficiência.

A rota mundial para descarbonização tem por base as seguintes premissas: eletrificação das residências (bombas a calor e fogões elétricos), veículos leves (carros elétricos), na produção de eletricidade (solar e eólica). Porém, diversos setores industriais enfrentam desafios para descarbonizar, em particular em indústrias que utilizam fornos e kilners, porque ainda não existem substitutos competitivos, e também porque esses equipamentos têm uma vida útil de 20-30 anos, não sendo economicamente ou tecnicamente viável uma transição no médio prazo.

No caso do transporte pesado (ônibus, trens, caminhões, navios, aviões), a eletrificação não é uma alternativa viável por questões de peso dos equipamentos, autonomia e disponibilidade de pontos de recarga. Uma opção interessante seria o uso de biocombustíveis, particularmente os de segunda geração, mas não existe disponibilidade em escala mundial para atender todas as demandas, porque necessitam de terras cultiváveis em grande escala.

Nesse contexto, o atingimento das metas de Net Zero, em particular após 2030, tem sido condicionado ao desenvolvimento e produção de hidrogênio verde, através de eletrolisadores alimentados por energias renováveis, como uma alternativa para substituir combustíveis fósseis em segmentos “hard to abate”, por exemplo, em transportes e indústrias energo-intensivas.

Apesar do uso do hidrogênio ser amplamente difundido há décadas em sua forma cinza, ou seja, através da reforma catalítica de gás natural, a sua forma verde, eletrolisação da água através de energia renovável, ainda é cara e pouco difundida. Atualmento o custo de produção de hidrogênio verde é da ordem de USD 4-6/kg, o que seria equivalente a USD 30-45/MMBtu de gás natural equivalente, enquando que o hidrogênio cinza hoje custa de USD 1.5 and 5-6/kg (Europa/Asia).

A partir de 2030, com a entrada em operação de diversos projetos, espera-se que o custo caia para USD 2/kg e, por volta de 2040, para USD 1/kg, competindo favoravelvemente com o gás natural.

Não obstante, existem diversos desafios para utilização em larga escala de H2 e substituição de gás natural em redes de transporte e distribuição e nos equipamentos dos consumidores. Esses desafios referem-se à flamabilidade mais ampla do H2, sua menor densidade e custo de estocagem e o impacto do menor tamanho da molécula em compressores e aços.  Outros desafios referem-se ao arcabouço regulatório e à certificação de origem verde do hidrogênio produzido nos eletrolisadores.

Existe ainda um debate incipiente, se o Brasil vai usar o hidrogênio no mercado interno, substituindo combustíveis fósseis, ou se vai ser simplesmente um exportador para a Europa e países asiáticos.  Ou ainda um modelo híbrido de substituição local e exportações focadas.

Nosso estudo para o Oxford Institute for Energy Studies, “The decarbonization of gas in the

Southern Cone of South America”, identificou um potencial de 120 Mton/ano no Brasil a partir de 2050, necessitando capacidade de eletrolisação de 1932 GW e investimentos em energias renováveis de USD 2 trilhões, gerando receitas de exportação de USD 120 bilhões/ano.

Esses números podem variar, mas é inegável que o Brasil pode se transformar em uma potência de exportação de H2 verde, com políticas de incentivos e um arcabouço regulatório favorável que estimulem a implementação de projetos de larga escala. Os Estados Unidos estão transformando o cenário mundial, com o  Inflation Reduction Act, dando créditos de impostos de USD 3/kg. O Brasil precisa agir decisivamente, se quiser ganhar uma vantagem competitiva.

 

Ieda Gomes é consultora independente e membro do conselho de administração de empresas internacionais de energia, infraestrutura e certificação.

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