Opinião

Desinvestimento fóssil: não se constrói uma casa pelo telhado

Crescer a oferta de metais raros é extremamente importante para uma descarbonização eficiente da frota veicular. Caso contrário, corre-se o risco do enraizamento da crise inflacionária atual

Por Heitor Paiva

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A mudança climática é um problema real sobre o qual a humanidade deve se debruçar. Isso significa incumbir a nós que busquemos por formas sustentáveis de se garantir o crescimento econômico. É um consenso de que as soluções mais usuais encontradas ao problema concernem ao desinvestimento fóssil, sobretudo das companhias ligadas à extração e produção de óleo e gás.

Por mais que o desinvestimento desta indústria pareça se justificar pelo objetivo de um futuro melhor a todos, existem muitos questionamentos a respeito de sua real eficácia.

A economia global atravessa um momento histórico no qual, mesmo após o maior choque de juros dos últimos 40 anos, a inflação continua extremamente forte. Importante lembrar que um dos fatores que desencadearam esta alta nos índices de preços mundialmente se deu por problemas relacionados à baixa oferta de petróleo no mercado internacional entre 2021 e 2022.

Por isso, pode-se dizer que o desinvestimento fóssil contribui à inflação. Para que isso não ocorra, é necessário o aparecimento de outras fontes energéticas, obrigatoriamente confiáveis e competitivas em preço. Isso está ocorrendo? Atentemo-nos ao setor de locomoção veicular, que corresponde à quase metade do consumo global de combustíveis refinados.

Parece haver um consenso, principalmente difundido pelas nações desenvolvidas, de que o futuro da locomoção humana passa obrigatoriamente pelos veículos elétricos – sejam eles os híbridos convencionais, plugin, à bateria ou a célula de combustível. O que todos eles têm em comum? O intenso uso de metais raros e condutores, como o lítio e o cobre, escassos e de oferta controlada por poucas nações.

Não há dúvidas de que os suprimentos destes metais têm de ser aumentados, mas é razoável presumir que será uma tarefa demorada e muito custosa. Novas minas de cobre, por exemplo, demandam 16 anos para que se tornem ativas, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA). Aliado a esta conjuntura, está o fato de que muitas dessas commodities metálicas se encontram em países onde a logística é deficitária e a instabilidade política recorrente. Válido lembrar que os custos de endividamento estão extremamente elevados globalmente em função do aperto monetário global recente, o que desincentiva alocação em capex no presente por parte das mineradoras.

A questão, logo, é o que fazer com o óleo e gás neste meio tempo em que a economia se adequa a essas novas formas de uso energético. Supondo que elas sejam viáveis futuramente, e não apenas um “moda” do curto prazo. É o caso de diminuir a oferta de óleo e gás em um momento em que ainda há dúvidas se existe disponibilidade de metais o suficiente para a eletrificação da frota mundial? Parece que não.

Portanto, a redução da oferta de óleo e gás, também forçada por meio de restrições a empréstimos das instituições financeiras, pode não ser uma estratégia produtiva. Isso porque ela pode agravar a escassez fóssil, gerando preços estruturalmente mais altos de combustíveis e, portanto, inflação. Precisamos de razão e menos emoção neste debate, porque não se constrói uma casa começando pelo telhado.

 

Heitor Paiva é analista da Hedgepoint Global Markets. Atua com inteligência de mercado e pesquisa no mercado de câmbio e commodities, principalmente através de análise fundamentalista aplicada às commodities energéticas. Escreve na Brasil Energia a cada dois meses

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