Opinião

A integração será essencial para a sobrevivência no mundo do petróleo

A disciplina de capital é um fator necessário, mas a forma de implementação é o mais central na atual conjuntura

Por Rodrigo Ferreira

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Assim como os demais segmentos da economia, o mundo do petróleo não será o mesmo ao final da crise provocada pelo surto do novo coronavírus. O preço do barril do petróleo está na faixa dos US$ 25-30 e não deverá se recuperar tão cedo, nem mesmo após o fim da pandemia. A demanda por petróleo estará num nível muito abaixo daquele observado no início de deste ano e – o que é mais grave – sem uma data certa para recuperação.

A crise no mundo do petróleo é e será grave não somente pelas terríveis condições de mercado, preço e consumo, mas também pelas imprevisibilidades de ordem geopolítica. Até quando novos acordos entre os grandes produtores serão efetivos para segurar o preço? O que acontecerá com a indústria do shale gas americano? Há, de fato, uma crise entre russos e árabes ou há uma tentativa de “emparedamento” dos Estados Unidos? Qual o papel que a China exercerá para recuperação da demanda e, assim, ajudar na recuperação do preço?

Todas essas perguntas não terão suas respostas tão cedo. E isso traz à tona uma característica estrutural da indústria petrolífera desde seus primórdios: o alto grau de incerteza. Como em outras crises, as empresas tenderão a se comportar de modo defensivo, tentando “prever” quando a situação se estabilizará. Até lá, ocorrerão cortes gigantescos de investimentos e foco nas atividades que garantam o mínimo de rentabilidade para as empresas. Evidentemente, muitas companhia, principalmente as menores que possuem custos operacionais mais elevados e um caixa mais fragilizado, fecharão as portas.

Uma reportagem do PetróleoHoje já mostra que várias empresas revisaram seus planos de negócios reduzindo drasticamente os investimentos. A Frontera reduziu seu capex em 60% e sua estimativa de produção caiu 8% em razão do fechamento de diversos poços. A Shell e a Total cortaram seu capex em 20% e 17%, respectivamente, para US$ 20 bilhões e US$ 15 bilhões. A Petrobras, por seu turno, diminuiu seus investimentos em 28%.

Embora o cenário de retração pareça inevitável, isso não significa que as empresas devem adotar estratégias semelhantes. Nesse cenário, mais importante do que a queda dos investimentos é a seleção de quais projetos de investimentos são prioritários e quais ativos devem ser fortalecidos,

Recentemente, uma matéria do Valor Econômico, a partir da análise de um relatório da Moody’s, ajuda a entender esse debate. “Segundo a agência, as grandes empresas integradas do setor demonstraram força nas últimas baixas do petróleo, com disciplina de capital e presença no refino, o que ajuda a reduzir os impactos na exploração e produção. Estatais, por sua vez, não devem ser rebaixadas, por terem notas atreladas ao rating soberano de seus países”.

No curto prazo, a prioridade das empresas é encontrar mercados e controlar a produção. No longo prazo, o foco é manter a sua atuação integrada, o que possibilitará maior capacidade de resistir aos efeitos deletérios da crise. Quem estiver mais integrado, tem mais acesso a recursos e maior possibilidade de explorar diferentes mercados. Por essa razão que a atuação das grandes empresas deve ser repensada.

No segmento de upstream, as empresas devem otimizar as atividades nos campos com elevados custos de extração e postergar vários dos novos projetos exploratórios. Os processos de desinvestimentos devem não apenas ser suspensos, mas, em muitos casos, até mesmo cancelados, assim como os grandes projetos de exploração tendem a continuar “em marcha forçada”.

Já no downstream, as empresas propendem a preservar suas posições de forma a se manterem integradas. Como bem disse a Moody’s, neste momento as atividades de refino e de outras energias poderão compensar os efeitos negativos no E&P. Em primeiro lugar, os preços de derivados têm um ciclo menos volátil em comparação ao do petróleo cru. Em segundo, a demanda por outros bens energéticos, como energia termelétrica, tende a ter um choque menor que a dos produtos do segmento do petróleo. É por isso que, a exemplo do upstream, os desinvestimentos em refino e em outras energias devem ser anulados a fim de aumentar a capacidade defensiva das empresas.

A disciplina de capital é um fator necessário, mas a forma de implementação é o mais central nessa conjuntura. Dessa maneira, a resiliência dos ativos e, principalmente, a diversificação na forma de atuação das empresas são peças-chave para que elas sobrevivam no futuro.

As petrolíferas que conseguirem assegurar a execução dos grandes projetos em exploração e produção, bem como preservar a verticalização de suas atividades, devem não somente ter maior condição de sobreviver à tormenta, como “sair na frente” no futuro.

Rodrigo Leão é mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp. Pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP) e do NEC da Universidade Federal da Bahia.

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