34 Brasil Energia, nº 483, 30 de outubro de 2023 Continuação Wagner Victer cap-and-trade. Trata-se do fenômeno de empresas relocando suas operações para jurisdições com regulamentações climáticas menos rigorosas para evitar os custos associados à redução de emissões. Isso pode resultar em uma situação em que as emissões globais não são reduzidas, mas simplesmente deslocadas. Na UE, houve preocupações iniciais de que indústrias intensivas em energia pudessem ser particularmente vulneráveis a esse fenômeno. A UE abordou a fuga de carbono realocando uma quantidade maior de licenças gratuitas a setores particularmente expostos a esse risco (o que reduz o preço do carbono e incentiva todo o mercado a emitir mais), e também buscando políticas que restringissem as empresas que produzissem fora. Por conta disso, estudos recentes, como os publicados pelo Centro de Política Climática da Europa, mostram que o impacto real da fuga de carbono foi limitado no mercado europeu. Mesmo assim, para uma economia com menos recursos impositivos como o Brasil, trata-se de um risco mais do que relevante. Outra abordagem que a UE explorou foi a integração de seu sistema com outros sistemas cap-and-trade vizinhos. Por exemplo, em 2014, o EU ETS foi conectado ao sistema de comércio de emissões da Suíça, criando um mercado interconectado maior e mais líquido. Mesmo assim, essa política ainda não se estendeu a boa parte do mundo, como o Brasil. Os créditos de carbono que hoje são comercializados na Amazônia, por exemplo, fazem parte do mercado voluntário, uma fração muito menor do universo de consumidores europeus, e com preços mais baixos. Em contraposição, a baixa regulação e normatização nos créditos nacionais do mercado voluntário foram uma fraqueza exposta nos recentes escândalos. Não obstante a isso, não se pode tratar ações voluntárias basicamente alinhadas a posturas proativas de boas práticas de ESG com obrigações que venham derivar de exigências normativas ou de medidas mitigadoras ou compensatórias de licenciamentos ambientais. Em janeiro, uma investigação de alto padrão realizada pelos jornais The Guardian e Die Zeit (alemão) apresentou que mais de 90% dos créditos de carbono de florestas tropicais emitidos pela Verra, a principal certificadora de créditos de carbono do mundo, alegavam reduções no desmatamento que na verdade não existiam. Ao considerar a implantação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), o Brasil tem uma oportunidade única de aprender com as experiências do EU ETS. No entanto, é crucial que se adapte o sistema à realidade brasileira, considerando nossas particularidades econômicas, sociais e ambientais. Precisamos desenvolver meios de ter uma avaliação clara do que são e não são créditos de carbono de verdade, ao mesmo tempo que estabelecemos metas que estimulem moderação nas emissões dos setores que assim o puderem, tendo em vista as individualidades de cada indústria para adaptar suas máquinas e equipamentos para outras fontes, dentro de um cronograma tecnológico bem estudado, e com penalizações graduais. Além disso como já adotado corretamente, também pela Petrobras, os investimentos voluntários devem não somente se vocacionar à captura stricto sensu de carbono, mas também levar em conta outras externalidades como a geração de empregos em regiões e populações vulneráveis, já que o maior risco ao meio ambiente se dá através do desemprego e, consequentemente, da pobreza O desafio para o futuro é grande, e precisamos conceber essas políticas não como barreiras, mas como estímulos ao crescimento e à competitividade da indústria nacional no longo prazo. Esse é um exercício que vamos vivenciar sem desconhecer experiências de fora, porém atentando para nossas condições e necessidades locais e sem uma tutela externa que não reconheça o avanço e o protagonismo do país por décadas na área de energia renovável.
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