Opinião

Reforma da Indústria do Gás Natural: Não Basta Vontade Política

Atual governo alimentou expectativa de que reforma seria rápida e renderia frutos a curto e médio prazos, mas a realidade dos desafios e conflitos regulatórios se impôs

Por Edmar de Almeida

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O atual governo alimentou uma expectativa de que a reforma da indústria do gás seria rápida e renderia frutos a curto e médio prazos. Após um ano de governo, a realidade dos desafios e conflitos regulatórios se impôs. Mesmo caminhando na boa direção, o processo de reforma da indústria do gás caminha a passos muito mais lentos que o esperado inicialmente. A percepção de elevado risco de mercado vem adiando o processo de tomada de decisão de potenciais novos ofertantes. Com isto, a Petrobras continua sendo a única fornecedora para as distribuidoras e única cliente das empresas de transporte.

Para que exista efetivamente competição no mercado de gás, os novos entrantes precisam ter acesso não discriminatório às infraestruturas essenciais (dutos de escoamento, UPGNs e plantas de regaseificação) e à rede de transporte de gás. Sem isto, estes potenciais fornecedores ficarão confinados a projetos termelétricos “na praia”,  fora do mercado interconectado de gás, ou terão que atuar em mercados nicho, como a entrega de GNL via caminhão. Este é o perfil da maioria dos projetos que apareceram até o momento.

Quando se trata da criação de um verdadeiro mercado integrado de gás no âmbito nacional, os desafios regulatórios a serem vencidos são enormes e os recursos necessários para implementar a agenda de reforma também. A ANP certamente é uma das melhores e mais bem estruturadas agências reguladoras do país. Entretanto, os recursos humanos e financeiros que tem não são suficientes para implementar a reforma regulatória no ritmo necessário para o país. Por isso, a agenda regulatória apresentada pela ANP para o Programa Novo Mercado de Gás prevê que a revisão do arcabouço regulatório das infraestruturas essenciais e do transporte só será finalizado em 2023.

O adiamento da Chamada Pública para Contratação de Capacidade de Transporte de Gás Natural da TBG deixou claro que as condições para uma efetiva competição neste mercado ainda não foram criadas. O ritmo da implementação da reforma tem um custo importante para o país em termos de oportunidades perdidas na produção e no desenvolvimento de projetos industriais gás-intensivos.

Enquanto o cenário regulatório não viabiliza a competição na rede, o mercado tende a crescer por fora da rede, com um papel relevante para GNL importado. Enquanto  isto, a reinjeção se torna a melhor alternativa econômica para não atrasar o desenvolvimento de campos de gás associados no pré-sal. No caso de campos com muito gás e pouco óleo, os empreendedores simplesmente tendem a aguardar a definição da reforma para tomar a decisão de ofertar o gás no mercado nacional.

A dificuldade de avaliar custos e riscos para concorrer com a Petrobras leva os potenciais competidores a privilegiar projetos termelétricos na praia abastecidos por GNL ou gás do pré-sal. Entretanto, no caso do gás do pré-sal, a competitividade dos projetos integrados com termelétricas enfrenta grandes desafios para concorrer com a oferta de GNL, considerando o atual contexto de excesso de oferta de GNL no mercado internacional. Em particular, a necessidade de flexibilidade da oferta de gás para atender uma demanda termelétrica variável coloca o gás associado do pré-sal em desvantagem com o GNL importado.

Existem muitas oportunidades perdidas quando o processo de reforma tem um ritmo desconectado do timing do processo decisório do negócio de E&P e dos projetos de grandes consumidores.A reforma precisa de um novo senso de urgência se o país quiser colher algum fruto de uma reforma bem sucedida nos próximos três anos. O governo precisa entender que não basta vontade política, é necessário alocar os recursos humanos e financeiros à altura dos desafios para a formulação e implementação das mudanças regulatórias necessárias.

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