Opinião

Recursos encalhados e o petróleo na margem equatorial brasileira

No Brasil, o esforço exploratório no pré-sal pode estar perto de resultados decrescentes e a condição de exportador dependerá de novas áreas

Por Luís Eduardo Duque Dutra

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As grandes petroleiras têm sido cobradas quanto aos seus compromissos climáticos. Nos Estados Unidos, duas batalhas entre acionistas e, na Europa, uma inédita decisão de justiça questionam o papel que exercerão na transição energética. Outro indicador foi dado pela Agência Internacional de Energia, que reúne os maiores países consumidores: os projetos em O&G poderão estar condenados a partir do final da próxima década.

O cenário parece assustador para produtores, países exportadores e empresas especializadas. Mesmo que não ocorra tão cedo, poucos duvidam do que virá. O endurecimento da proteção ambiental e da política climática, o avanço da tecnologia, a substituição das fontes fósseis, a mudança nos termos de troca por meio parafiscal (taxas, impostos, preços públicos e compensações) e o subsídio ao financiamento de projetos verdes fazem o movimento irreversível.

O ativo de uma empresa é o que gera receita e retorno ao investidor. A montante no petróleo, são os recursos potenciais que, após quatro a dez anos de investigação, tornam-se reservas recuperáveis a serem extraídas nos vinte anos seguintes. Base do valor gerado, esses recursos correm risco de ficarem “encalhados”. Bancos centrais e reguladores têm sublinhado a alta exposição e o perigo deles desencadearem uma crise financeira.

No Brasil, por décadas, o petróleo foi escasso e importado. Os choques de 1970 acabaram com o milagre e alavancaram o biocombustível. As descobertas no pré-sal, em águas ultraprofundas, só ocorreram depois de 2007. O país tornou-se grande exportador (1 milhão de bpd) e, para tanto, captou bilhões que financiaram os ativos em produção. De contumaz devedor, tornou-se credor internacional. US$ 360 bilhões em reservas cambiais e 14 bilhões de barris em reservas provadas, quem apostaria nisso em 1999?

A inflexão foi rápida e até surpreendente, mas, talvez, tardia. A vocação tem pouco tempo para ser valorizada e a questão não se coloca só no pré-sal. Pouco se sabe sobre a geologia do país e, depois de 1998, são as empresas que bancam a exploração. Ao estado cabe indicar prioridades e ditar a regulação. Considere-se também a maturação dos ativos e a velocidade da transição. Acelerar – ou não – a busca por óleo é uma decisão-chave da política energética.

Vale lembrar a probabilidade: em exploração, primeiro vem as grandes descobertas, depois, as pequenas. O pré-sal se constituiu na maior província aberta nas últimas décadas, com reservas provadas de 10 bilhões de boe e projetos que produzirão mais de 4 milhões de bpd. Contudo, no último triênio, a falta de sucesso intriga e pode indicar os rendimentos decrescentes, que levam à passagem para novas áreas e horizontes geológicos. 

É um adendo a ser considerado na política energética.  O que virá após o pré-sal? A questão é ainda mais pertinente com as descobertas na Guiana e no Suriname, à origem da mais nova fronteira offshore. As descobertas corroboram o espelhamento entre a costa africana e sul-americana. No litoral de Gana e Costa do Marfim foram identificadas importantes jazidas desde o início do século. A Margem Equatorial permanecerá, assim, prioridade para as empresas.

À porção brasileira interessa: em bônus de assinatura e aquisição de dados, as despesas já somam US$ 1 bilhão nas bacias marítimas existentes. A disposição a gastar crescerá na medida em que as descobertas se confirmem nos dois lados do oceano. Apenas os compromissos firmados nos contratos beiram US$ 4 bilhões. A partir desses valores, é possível inferir que as petroleiras contam com 15 bilhões de barris como recursos prospectivos. O volume não estaria numa só acumulação, mas em algumas, como ocorreu na área vizinha, ou em Gana e Costa do Marfim. Ao preço de US$ 50 e considerando a compensação para cada barril em um quinto deste valor, se as expectativas iniciais se realizarem, perto de US$ 150 bilhões seriam recolhidos em participações governamentais, sem contar impostos. 

A produção em águas ultraprofundas envolve somas entre US$ 2 a 3 bilhões para cada ativo com capacidade de extrair 200 mil bpd. Essas despesas e a operação teriam enorme impacto, muito além dos tributos e das compensações. Em especial, numa região onde as oportunidades de geração de renda continuam limitadas, e o estado não consegue se financiar. 

As obrigações assumidas e as descobertas realizadas indicam que, a despeito da volatilidade e do colapso do preço, no mar, não existe outra aposta de porte mundial que rivalize com a Margem Equatorial. No Brasil, o esforço exploratório no pré-sal pode estar perto de resultados decrescentes e a condição de exportador dependerá de novas áreas. Sem dúvida, o litoral Norte dispõe de argumentos para atrair as petroleiras, assim que retomarem seus investimentos mais arriscados. 

A janela para o aproveitamento das jazidas se estenderá por vinte a trinta anos, talvez mais na periferia; de qualquer forma pouco para a indústria. Considerando o risco da atividade em alto-mar, a centena de milhas da base, em águas ultraprofundas, com equipamentos submetidos a fortes correntezas e equipes mantidas isoladas por semanas, não será preciso apenas descobrir óleo, mas também, ter projetos adequados à região, às portas da Amazônia e entre as últimas fronteiras offshore.

Duque Dutra é Mestre em Planejamento Energético, Doutor em Ciências Econômicas e Professor Adjunto da Escola de Química da UFRJ.

Guilherme Eduardo Zerbinatti Papaterra, coautor deste artigo, é Especialista Sênior em Regulação de Petróleo e Gás Natural da ANP, Geólogo e Mestre em Geologia pela UFRJ. 

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