Opinião

Preço dos combustíveis, custo social, remédios e soluções

De imediato, cabe à Petrobras dar total transparência e periodicidade fixa aos reajustes. Parte-se do pressuposto de que informação e previsibilidade são requisitos para o funcionamento do mercado

Por Luís Eduardo Duque Dutra

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

A volatilidade dos preços do petróleo é estrutural, cresceu nas últimas décadas e não dá sinais de esmorecer. O fato de o País se tornar exportador em nada mitigou o problema para os consumidores. Voltamos à década de 1970 e aos choques do petróleo, um paradoxo diante da transição energética. Pior: o recente aumento teve impacto avassalador, muito maior do que no passado. 

Não é a primeira vez que, neste século, o barril atingiu preço tão alto. Em 2010, o país retornava da crise financeira de 2008, como agora ocorre com a pandemia, o barril beirava oitenta dólares, mas, no posto de gasolina, ou no revendedor de gás, os derivados eram vendidos à metade do preço atual. Hoje, o preço do botijão já ultrapassa cem reais e o litro da gasolina, sete reais. Inacreditável. São valores nunca vistos e se justificam devido: (i) às importações, que compensam a estagnação do refino, (ii) à deterioração do câmbio, que reflete as incertezas políticas, (iii) à maximização do lucro da Petrobrás, que ignora o custo social da estratégia e (iv) ao governo que, pela inação, penaliza a todos. 

Quem mais perde são as famílias modestas, que nunca pagaram tão caro pelo gás, e todos aqueles que dependem da gasolina e do óleo diesel para sustento, ou locomoção. No final, todos sentem o repasse ao longo das cadeias produtivas. A cunha inflacionária se acentuou em função da forte apreciação do dólar e da importação de derivados. A espiral aprofunda a carestia imposta às pequenas empresas que sobreviveram à pandemia. Na mesma proporção, infla os ganhos de acionistas e empresas que dispõem do poder de reajustar os preços quando precisam e à frente de todas as demais.  

Fora o impacto distributivo, o Brasil também perde em termos comerciais: exporta óleo cru, importa derivados, fertilizantes, petroquímicos e químicos. Como resultado, deixa de gerar emprego local e só as petroleiras ganham – em dólar. Para a Petrobras também não é um bom negócio. O foco no curto prazo e no lucro fácil se faz em detrimento do futuro, do ganho com a agregação de valor no refino, com a retomada da química e os efeitos multiplicadores pela base industrial. Afinal, a estatal aposta no país ou nas exportações?  

A remediação passa por reconhecer a gravidade da situação, a natureza cíclica do negócio e o grau de monopólio da indústria, que qualquer revisão histórica ressalta. Fazem-se urgentes iniciativas de mitigação seguidas de outras, que tragam uma solução estrutural e definitiva. Todas requerem ação do governo, a União controla a maior empresa nacional e é a primeira interessada.  

De imediato, cabe à Petrobras dar total transparência e periodicidade fixa aos reajustes. Parte-se do pressuposto de que informação e previsibilidade são requisitos para o funcionamento do mercado. Não se propõe tabelamento algum e a empresa fixará seus preços sem subsidiar o consumo de qualquer produto. A analogia com o juro, fixado pelo Copom, é útil e sublinha a conotação não monetária da escalada inflacionária. O preço do barril conserva importância macroeconômica, talvez, não tão grande quanto o dinheiro, mas, como nenhuma outra mercadoria, ainda é capaz de provocar um choque de oferta. 

Portanto, os preços dos derivados devem ser reajustados em intervalos de quarenta e cinco dias, não menos que isso, e extensivamente justificados à sociedade. O que inclui os preços de realização à saída de cada refinaria. Existe uma caixa-preta a ser aberta antes da alienação destes ativos, para o bem do interesse público e não só do consumidor. O custo de internação nos terminais portuários também deve ser revelado, de forma a explicitar a conduta da estatal, dos concorrentes e o eventual conluio. O grau de monopólio da empresa impõe limites a seu exercício que são jurídicos e norteiam a defesa econômica depois do Sherman Act, de 1890. Sob a supervisão do Cade, na mesma ata, também devem constar a tendência e a expectativa para o próximo reajuste, sem esquecer as ações para mitigar a volatilidade e impedir a cartelização. 

Ainda a curtíssimo prazo, em plena sociedade da informação e revolução informática, cabe perguntar: Por que não existe um aplicativo, ou programa de busca, em página eletrônica dos órgãos oficiais, que informe qual o preço do combustível num raio de dez ou vinte quilômetros? Aquelas iniciativas que apostam neste modelo de negócio não vingaram até aqui, nem encontraram financiamento. 

O aplicativo de localização disponível não atende à demanda, não é específico, carece de validação e não é sempre atualizado. Um lapso e tanto, porque startups não faltam. Inquietante é notar que os dirigentes anunciam os benefícios da competição, mas não veem a informação como motor do empoderamento do consumidor, nem se aproveitam do empreendedorismo nas incubadoras universitárias. 

Em prazo mais largo, não faltam soluções, porém, todas exigem planejamento apurado, políticas públicas e visão estratégica. Elas vão da criação de fundos de estabilização ao uso da Contribuição de Desenvolvimento Econômico, passando pela retomada do refino e da petroquímica, apoiado no excedente petrolífero por vir.  

Aliás, qual o destino do óleo da Petróleo Pré-Sal S/A? Em julho, contavam-se dez mil bpd anualizada e a US$ 50/b, a arrecadação soma US$ 182,5 milhões, ou quase um bilhão de reais. São os primeiros barris sob partilha e a receita só crescerá. A empresa prevê a produção treze vezes maior em 2025 e, em 2030, sessenta e três vezes superior! A receita extra bancará despesas correntes, ou engordará as reservas cambiais? Não existe melhor uso?

Por fim, cabe destacar que o coletor de impostos e o vendedor sabem do poder que dispõem. O comprador está capturado, subjugado por não poder trocar de combustível devido ao custo da substituição. A teoria conhece o fenômeno pelo termo inelasticidade da demanda. Assim, além dos preços raramente caírem, sobem com facilidade e, no momento, qualquer redução do ganho de um dos dois (fiscal ou vendedor) será apropriada pelo outro e não se repercutirá no preço final. É melhor sustentar as famílias vulneráveis com auxílio custeado pelo Orçamento. 

Para não se perder em filigranas num assunto tão complexo, cabe terminar com o que ensina a ciência: o risco cambial e a volatilidade dos preços fazem parte do negócio e, se transferidos ao consumidor, é porque o vendedor não é contestado em seu poder de mercado, seja pelos concorrentes, seja pelo Estado-regulador, a quem cabe fazê-lo em última instância.

Duque Dutra é Mestre em Planejamento Energético, Doutor em Ciências Econômicas e Professor Adjunto da Escola de Química da UFRJ

Outros Artigos