Opinião

Políticas públicas no Brasil associadas ao hidrogênio e suas tecnologias

O desenvolvimento do hidrogênio requer políticas de Estado e não de governo, pois sem continuidade de investimentos e planejamento de longo prazo o Brasil desperdiçará o seu potencial de liderança no mercado de energias renováveis

Por Mariana Mattos

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O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou, na última semana de junho, resoluções sobre a governança do Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), que inclui um comitê gestor que dará as diretrizes estratégicas a serem implementadas a partir da organização de câmaras temáticas. Em agosto do ano passado, o Ministério de Minas e Energia (MME) apresentou uma proposta de diretrizes para o PNH2, e, na ocasião, a publicação do PNH2 havia sido prometida pelo ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, para o início deste ano. Enquanto isso, o mercado continua aguardando a estratégia brasileira para o hidrogênio.

Uma das primeiras iniciativas associadas ao hidrogênio aqui no Brasil foi o Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Economia do Hidrogênio (ProH2), lançado em 2002, pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. O Programa promoveu a formação de redes cooperativas de P&D abrangendo universidades e institutos de pesquisa, visando a implantação de projetos de demonstração de diferentes tecnologias de produção de hidrogênio e sistemas de células a combustível.1 Os recursos eram provenientes dos Fundos Setoriais (CTPetro, CTEnerg e Verde-Amarelo) e gerenciados pela FINEP. O ProH2 foi fundamental para a geração de conhecimento científico e tecnológico, com a consolidação de diversos grupos de pesquisa atuantes no desenvolvimento de tecnologias do hidrogênio. No entanto, o Programa foi interrompido em 2012, e com isso a continuidade das pesquisas e os investimentos no setor ficaram fortemente comprometidos.

Em 2005, o MME publicou um documento, intitulado “Roteiro para a estruturação da economia do hidrogênio no Brasil”, que estabelecia algumas premissas para nortear a criação de um modelo de desenvolvimento do mercado de hidrogênio no país. Dentre essas premissas, estava a redução da dependência externa dos combustíveis fósseis, diversificação da matriz energética brasileira com crescente participação dos combustíveis renováveis e redução de impactos ambientais. Esse roteiro já previa a valorização de diferentes rotas tecnológicas para a produção de hidrogênio, nas quais o Brasil pudesse ter vantagens competitivas, como o etanol e outras biomassas, incluindo o biogás.2 Curiosamente, o documento dizia que no ano de 2020 o hidrogênio faria parte da matriz energética do país.

O hidrogênio compõe a estratégia energética brasileira no Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050), aprovado em dezembro de 2020 pelo MME.3 De fato, o hidrogênio é apontado no Plano como uma tecnologia disruptiva e é mencionado como elemento de interesse estratégico no contexto da descarbonização da matriz energética, da inserção dos recursos energéticos distribuídos e da busca por ampliação das formas de armazenamento e gestão da flexibilidade. Vale ressaltar que o Brasil é membro do IPHE (International Partnership for Hydrogen Energy) desde a sua fundação em 2003.

A proposta de diretrizes para o PNH2, publicada em julho de 2021, reconheceu o “papel relevante que a produção e uso do hidrogênio pode desempenhar em uma trajetória de emissões líquidas neutras em carbono”.4 Entre as diretrizes apresentadas, estão o aproveitamento do gás natural nacional com captura e armazenagem de CO2 para produção de hidrogênio azul, a competitividade das energias renováveis para o hidrogênio verde e as possibilidades trazidas pelos biocombustíveis, como etanol e biogás. Conforme as diretrizes, o programa deverá estar pautado em três pilares principais: políticas públicas, condições tecnológicas e condições de mercado que impulsionem o desenvolvimento da economia do hidrogênio no Brasil. Esses pilares, por sua vez, se desdobram em seis eixos temáticos: (i) fortalecimento das bases tecnológicas, (ii) capacitação de recursos humanos, (iii) planejamento energético, (iv) arcabouço legal-regulatório, (v) crescimento do mercado e competitividade, e (vi) cooperação internacional. Políticas públicas para o hidrogênio devem ser políticas de Estado e não de governo, pois sem continuidade de investimentos e planejamento de longo prazo o Brasil estará desperdiçando o seu potencial de liderança no mercado de energias renováveis.

 

1 Hidrogênio energético no Brasil- Subsídios para políticas de competitividade: 2010-2025, CGEE, 2010. Disponível em: https://www.cgee.org.br/documents/10195/734063/Hidrogenio_energetico_completo_22102010_9561.pdf/367532ec-43ca-4b4f-8162-acf8e5ad25dc?version=1.5

2 MME - Ministério de Minas e Energia (2005). Roteiro para Estruturação da Economia do Hidrogênio no Brasil. (Coordenação geral: MME - Ministério de Minas e Energia; Integração Técnica: MCT - Ministério de Ciência e Tecnologia; Operação: LACTEC/UFPR).

3 MME - Ministério de Minas e Energia (2020). Plano Nacional de Energia 2050. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/ publicacao-227/topico-563/Relatorio%20Final%20do%20PNE%202050.pdf

4 MME - Ministério de Minas e Energia (2021). Programa Nacional de Hidrogênio- Proposta de Diretrizes. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/sala-de-imprensa/noticias/PublishingImages/Paginas/MME-apresenta-ao-CNPE-proposta-de-diretrizes-para-o-Programa-Nacional-do-Hidrogenio-PNH2/HidrognioRelatriodiretrizes.pdf

 

Mariana Mattos é professora Titular da Escola de Química da UFRJ, onde ingressou em 2003. Possui graduação em Engenharia Química pela UFRJ (1997) e doutorado em Engenharia Química pela COPPE-UFRJ (2001). É docente do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos da UFRJ e coordenadora do Laboratório de Tecnologias do Hidrogênio. Publicou os livros "Tecnologia do Hidrogênio" em 2009, "Processos Inorgânicos" em 2012 e "Hidrogênio e células a combustível" em 2018, todos pela Editora Synergia.

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