Opinião

O pré-sal entre o passado e o futuro da exploração offshore

A história da exploração e produção de petróleo em alto mar é, de certa forma, a busca pela conquista da soberania energética dos países

Por Rodrigo Leão e William Nozaki

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A história da exploração e produção de petróleo em alto mar é, de certa forma, a busca pela conquista da soberania energética dos países que disputaram e disputam a hegemonia do sistema internacional.

Os especialistas da indústria petrolífera consideram o final dos anos 1940 o marco inicial da exploração de petróleo offshore no mundo. As primeiras explorações economicamente viáveis ocorrem no Golfo do México, no estado americano da Louisiana, em 1947, e no Mar Cáspio, na antiga União Soviética, em 1949.

A busca pelo petróleo no mar ocorreu na medida em que, por um lado, os conflitos geopolíticos dificultavam o acesso das principais potências econômicas ao petróleo e, por outro, o consumo desses países se aceleravam após o final da Segunda Grande Guerra.

A crise do Irã e do Egito nos anos 1950, por exemplo, colocaram em xeque a posição das petrolíferas britânicas na região. No caso iraniano, a BP tinha uma situação favorável para acessar o petróleo da região dispondo de uma produção abundante integrada com suas refinarias na Europa, o que permitia a ela planejar o desenvolvimento de seus campos articulado ao crescimento de sua logística e crescimento do consumo. Todavia, quando houve a nacionalização do setor petrolífero iraniano em 1951, a situação da BP se modificou, forçando-a a lançar um programa exploratório de larga escala mundial, principalmente nas áreas offshore.

No caso egípcio, a Royal Dutch Shell utilizava intensamente o Canal de Suez para transportar o petróleo produzido no norte da África e no Oriente Médio. Contudo, quando o canal foi nacionalizado pelo Egito em agosto de 1956, houve a interrupção do fornecimento de petróleo da petrolífera, colocando-a em grande risco para atender aos seus mercados consumidores. Após esse episódio, a filial da empresa anglo-holandesa dos Estados Unidos, a Shell Oil, considerou a exploração offshore estratégica, já que a aproximação do abastecimento de petróleo aos portos americanos seria um fator de segurança petrolífera dos Estados Unidos, dando um impulso adicional às explorações no Golfo do México.

Esses foram apenas dois episódios entre vários casos que ocorreram, antes e depois da guerra, de nacionalização do setor petrolífero e/ou de maior apropriação da renda da produção em países que possuíam grandes reservas de petróleo. Tais episódios afetaram as “Sete Irmãs” – sete principais operadoras de petróleo no mundo dos Estados Unidos e da Europa – que, naquele período, dominavam o mercado internacional de petróleo. Para agravar a situação, os Estados Unidos, que eram grandes produtores de petróleo, viram suas reservas se exaurirem rapidamente no final da guerra.

A partir da década de 1950, o crescimento do consumo de petróleo – principalmente em regiões mais desenvolvidas e com menor potencial exploratório (pelo menos naquela época) – colocaram uma pressão adicional ao desenvolvimento de novas reservas de petróleo.

Segundo dados da BP, entre 1965 e 1973, o consumo global de petróleo subiu de 30,7 b/d para 55,7 milhões de b/d – um crescimento de 81,1%. Ou seja, em apenas oito anos, o consumo global quase duplicou no mundo inteiro. Esse movimento não ocorreu de forma concentrada, dado que diversas regiões do planeta viram sua demanda por petróleo se multiplicar naquele período.

O caso mais impressionante foi o do Japão, onde o consumo de petróleo aumentou de 1,7 milhão de b/d, em 1965, para 5,3 milhões de b/d em 1973, uma expansão de 208,8%. Nos sete principais consumidores europeus (Alemanha, Espanha, França, Grã-Bretanha, Holanda, Itália e Suécia), a aquisição de petróleo praticamente dobrou no mesmo período, saltando de 6,3 milhões de b/d para 12,1 milhões de b/d. Em paralelo, nos EUA, o consumo passou de 11,5 milhões de b/d para 17,3 milhões de b/d.

Desde 1950, o petróleo ganhou grande importância no fornecimento energético dos países. No Japão, a participação do petróleo em sua matriz energética foi de 6,1%, em 1950, para 73,6%, em 1973. Na Europa Ocidental, saiu de menos de 15% para mais de 60%, e, nos Estados Unidos e Canadá, de 37,5% para 45,3% no mesmo período.

O crescimento acelerado da demanda por petróleo e a maior dificuldade de acessá-lo em tradicionais países produtores impulsionaram de maneira decisiva a exploração em novas áreas e na fronteira marítima. Ou seja, a fim de evitar a dependência do petróleo estrangeiro e, ao mesmo tempo, se manterem competitivas e sobreviverem, as Sete Irmãs não tinham outra escolha se não correrem riscos e explorarem outras fronteiras de petróleo.

No caso americano, embora a indústria petrolífera tenha feito descobertas importantes nos anos 1930, suas reservas alcançaram seu pior resultado nos anos 1950, em função do esgotamento dos campos de petróleo explorados na Segunda Grande Guerra. Assim, a busca por novos campos nos EUA se tornou uma urgência, principalmente no Golfo do México, onde a possibilidade de encontrar petróleo era maior. Isso porque, em seus campos, a camada de sal e a natureza geológica dos prospectos eram razoavelmente bem compreendidas.

Entre 1949 e 1956, o aumento das reservas de petróleo dos Estados Unidos em campos offshore foi nove vezes superior à média em terra. Regiões promissoras e relativamente “fáceis” de serem perfuradas passaram a ser exploradas, como os campos de South Pass 24 e 27, da Shell Oil, os de Bay Marchand e Main Pass 69, da Chevron, e o campo de Grand Isle 18, da Humble Oil.

No caso europeu, os trabalhos focaram as descobertas no Mar do Norte, uma região próxima aos mercados consumidores onde havia grandes indícios da existência de petróleo. O interesse sobre o potencial de hidrocarbonetos do Mar do Norte começou depois que grandes descobertas de gás foram feitas na província de Groningen, na Holanda, em 1959 e 1962. A fase de perfuração se iniciou em 1966, e, nos dois anos seguintes, a Exxon e a Phillips Petroleum, respectivamente, anunciaram as descobertas dos campos de Balder e Cod, cujo desenvolvimento não era, porém, economicamente viável com a tecnologia disponível à época. Já em 1969 ocorreram as primeiras descobertas comerciais nos campos de Ekofisk, na Noruega, e de Arboath na Grã-Bretanha.

Evidentemente, todas essas descobertas somente foram possíveis por conta de inúmeras inovações e desenvolvimento tecnológicos da época. Para se adaptar ao tempestuoso Mar do Norte, por exemplo, a indústria petrolífera foi obrigada a lidar com novos desafios naturais, demandando a construção de plataformas para suportar alturas de onda de até 30 m e condições geológicas relativamente desconhecidas.

Em todo caso, não é mera coincidência que as primeiras regiões a avançarem significativamente na exploração em alto mar tenham sido o Golfo do México, nos Estados Unidos, e o Mar do Norte, na Europa Ocidental. A soberania energética era fundamental para a manutenção da recuperação industrial europeia e para o crescimento da economia americana. Além disso, a generalização da indústria “movida a petróleo”, com inúmeros avanços nos motores à combustão e na produção petroquímica, tornava cada vez mais importante evitar qualquer risco quanto ao fornecimento de petróleo. A migração para o mar, portanto, foi uma forma de reduzir esses riscos e a dependência americana e europeia do petróleo estrangeiro.

Cinquenta anos depois do começo dessa história, essas regiões novamente se deparam com as mesmas questões sobre a sustentabilidade da oferta de petróleo. A produção do Mar do Norte apresenta um declínio acelerado nas últimas décadas, e a produção americana se concentra, agora, no gás de xisto, cuja vida útil é relativamente pequena.

Ainda que parte da estratégia atual desses países, principalmente no caso europeu, seja a transição da matriz energética para fontes renováveis, o petróleo continua sendo o “principal combustível” do mundo e deve ter grande importância nas próximas décadas. Como as perspectivas de novas descobertas nessas regiões não são promissoras, o olhar se volta, desta vez, para o petróleo de países com grandes reservas e maior estabilidade política, social e jurídica, como é o caso brasileiro.

Sem dúvidas, o pré-sal do século XXI assume grande importância para os Estados Unidos e para Europa, assim como o Golfo do México e o Mar do Norte na segunda metade do século XX. Por essa razão, tais países tratam o pré-sal como um instrumento fundamental da sua soberania energética e buscarão realizar ações junto ao governo brasileiro dentro dessa lógica.

A diferença fundamental é que o pré-sal não está sob o território de Estados Unidos, Inglaterra ou Holanda, mas no Brasil. Se as lições do passado servem para o futuro, as políticas setoriais e industriais da exploração de petróleo no país  devem priorizar nossa soberania e objetivos estratégicos, assim como o americanos e europeus o fizeram ao longo do século XX.

Rodrigo Leão é mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, coordenador técnico do Instituto de
Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e pesquisador do
NEC da Universidade Federal da Bahia.

William Nozaki é professor de ciência política e economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São
Paulo (FESPSP) e coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (Ineep).

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