Opinião

O direito de reequilíbrio das distribuidoras na crise de Covid-19

Debate na Aneel levantou a questão sobre a possibilidade ou não de empresas registrarem ativos financeiros associados ao direito de reequilíbrio

Por Tiago Barros Correia

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Em 11 de março de 2020, a doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) foi caracterizada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Diante disso e em decorrência da ausência de vacina ou de tratamento com eficácia comprovada, as políticas públicas adotadas no Brasil e no mundo têm se concentrado em variações de medidas de distanciamento social, como o fechamento de escolas, indústrias e comércio, a suspensão de serviços públicos, como cartórios, a interrupção de obras, a exigência de utilização de máscaras e outros equipamentos de proteção individual e a restrição da mobilidade das pessoas.

Tais políticas tem como objetivo evitar o colapso da capacidade hospitalar e ganhar tempo para o teste clínico de potenciais medicamentos por meio da redução da velocidade de contágio da população. Por outro lado, muito embora necessárias, as medidas impactam negativamente o nível de atividade econômica.

Em reconhecimento expresso do impacto das medidas de isolamento promovidas no Brasil sobre a atividade econômica no país e o consumo de energia elétrica, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 950/2020, que determinou a criação da Conta-Covid, para prover liquidez imediata para as distribuidoras de energia elétrica por meio de operação especial de crédito. A Medida Provisória foi regulamentada pelo Decreto nº 10.350/2020 e o valor máximo da operação de crédito homologado pela Aneel em R$ 16,1 bilhões, conforme Resolução nº 885/2020.

O processo de deliberação da Aneel, todavia, levantou a questão sobre a possibilidade ou não de as empresas poderem registrar ativos financeiros associados ao direito subjetivo de reequilíbrio econômico e financeiro de seus contratos não coberto integralmente pelo socorro da Conta-Covid e se a Aneel estaria expressando juízo de valor antes de haver pleito específico dos agentes e de conhecer a realidade fática de cada caso concreto.

Inicialmente, cabe destacar que o direito subjetivo é o resultado da incidência de uma norma jurídica a um fato jurídico. A Lei nº 8.987 e os contratos de concessão de distribuição de energia elétrica asseguram o direito subjetivo à manutenção do equilíbrio econômico e financeiro, que será concretizado rotineiramente por meio de reajustes e revisões tarifárias e extraordinariamente sempre que se verificar a ocorrência de fato superveniente capaz de alterar a equação econômica e financeira do contrato de concessão.

Assim, a recomposição do equilíbrio contratual depende da verificação de requisitos formais e materiais como a existência de fato gerador superveniente e a demonstração de seu nexo de causalidade com o desequilíbrio econômico e financeiro do contrato. Todavia, uma vez demonstrada a existência dos referidos requisitos, é poder-dever da Aneel homologar a recomposição do equilíbrio econômico e financeiro contratual, não cabendo qualquer juízo de conveniência e oportunidade.

No caso concreto, a forte redução verificada do consumo de energia elétrica foi decorrente da pandemia de Covid-19 e de medidas do poder público de fechamento e suspensão de atividades econômicos. Sendo assim, não há dúvida sobre a existência do fato gerador superveniente e de seu nexo causal. Consequentemente, há materialização do direito subjetivo ao reequilíbrio contratual, o qual pode ser operado pela Aneel, por meio de revisões tarifárias, ou por meio de alguma outra medida do poder concedente, como, por exemplo, a própria Conta-Covid.

Pelo exposto, as concessionárias detêm o direito presente à recomposição do equilíbrio, cujo benefício econômico será percebido no futuro e, portanto, podem registrar o ativo financeiro correspondente, ainda que se lhe atribua alguma incerteza sobre o valor a ser homologado, sem que haja configuração de antecipação de juízo por parte da Aneel, lembrando que o ato de homologar não é discricionário.

Tiago Barros, economista com mestrado em planejamento de sistemas energéticos, foi diretor da Aneel e é sócio-diretor da RegE Consultoria

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