Opinião

Maldição e solução

A ameaça da doença holandesa estará sempre presente, mas conhecemos sua história, sua etiologia e seus antídotos.

Por Telmo Ghiorzi

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O ano de 2019 marcará a indústria petrolífera brasileira. É nele que ocorre o leilão do excedente da cessão onerosa, quando estarão em jogo de 10 a 15 bilhões de barris de petróleo, mais de R$ 106 bilhões em bônus de contratação, royalties e a parcela da União do óleo excedente que serão arrecadados nas décadas de produção.  Além disso, recursos financeiros decorrentes da exploração do pré-sal continuarão a crescer incessantemente. No entanto, essas ótimas notícias trazem também dúvidas sobre o destino e os efeitos do uso dos vultosos valores e investimentos de toda essa equação.

Expectativas podem ser frustradas, pois nossa crise fiscal tende a estimular União e estados a aplicarem os recursos para acertar suas finanças, em vez de investir em educação, saúde e infraestrutura. E também porque a desindustrialização pela qual passamos pode ser intensificada em decorrência de sobrevalorização cambial. A chamada “maldição dos recursos naturais” é uma ameaça constante ao Brasil. O pré-sal pode induzir o país a padecer desse mal -- também conhecido como Doença Holandesa -- quando se trata do setor petrolífero.

Muitos países passaram por essa paradoxal ameaça. O desempenho da indústria parapetrolífera deles demarca os que sucumbiram, como a Venezuela, e dos que prosperaram, como a Noruega. Entre fatores comuns aos países que prosperaram – com ou sem a “ameaça” do excesso de recursos naturais–, dois se destacam: industrialização baseada em exportações, em vez de substituição de importações (como a estimulada pelas regras brasileiras de conteúdo local), e desenvolvimento de capacidades tecnológicas. Recursos naturais podem ser exauridos ou tornar-se irrelevantes. Mas capacidades tecnológicas são perenes e imbatíveis para induzir desenvolvimento socioeconômico.

A história da Petrobras é esclarecedora quanto ao processo de desenvolvimento de capacidades tecnológicas. Como descrevem Dantas e Bell*, a empresa evoluiu, em pouco mais de 30 anos, de mera assimiladora e usuária à liderança global no desenvolvimento de novas tecnologias. Esse processo não foi fortuito. Ao contrário, resultou de decisões e iniciativas cujo propósito – claramente exitoso – era colocar a empresa na posição que ela hoje ocupa na cena global de exploração de óleo e gás em águas profundas.

Nossa indústria parapetrolífera precisa passar por trajetória similar. Precisa atingir um tal grau de competências tecnológicas que torne a disponibilidade local de petróleo um fator presente, mas não crucial para seu desenvolvimento sustentável. Não há outro caminho que não a combinação de decisões e iniciativas das empresas locais com políticas públicas que sejam indutoras de construção de capacidades tecnológicas e de industrialização baseada em exportações. A ameaça da doença holandesa estará sempre presente. Mas conhecemos sua história, sua etiologia e seus antídotos.

Telmo Ghiorzi é doutor em economia e engenheiro de petróleo.

* Dantas, E., Bell, M. (2011) The Co-Evolution of Firm-Centered Knowledge Networks and Capabilities in Late Industrializing Countries: The Case of Petrobras in the Offshore Oil Innovation System in Brazil. World Development Vol. 39, No. 9, pp. 1570–1591.

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