Opinião

Geração termelétrica, preços e disponibilidade de moléculas

As usinas termelétricas, apesar de caras, têm sido um instrumento efetivo para evitar apagões na região Sudeste. Mas isso gera distorção.

Por Ieda Gomes

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O ano de 2021 está movimentando o setor de gás natural, com a promulgação da Nova Lei do Gás (Lei 14134/21) e do Decreto 10712/21, propiciando mais clareza em relação aos processos para construção e acesso a gasodutos de transporte e escoamento, plantas de processamento e terminais de GNL. A lei contém ainda provisões relativas à desverticalização da cadeia de valor do gás natural. A ANP terá um papel fundamental no desenho e abertura do mercado.

Em julho, foi promulgada a Lei de Privatização da Eletrobras (Lei 14182/21), contendo um dos mais longos parágrafos da legislação moderna. A lei obriga a contratação pelo poder concedente de 8 GW geração termelétrica a gás natural, com capacidade mínima de 70%, para o período 2026-2030. 

Em meio a isso, o deplecionamento dos reservatórios hídricos, causado pela maior seca dos últimos 90 anos, ocasionou o acionamento de usinas termelétricas. Em 16 de julho de 2021 os reservatórios da região Sudeste estavam com  27,79% de sua capacidade, com usinas termelétricas respondendo por 19.2 GW da curva de geração no Sistema Integrado Nacional, contra 45.6 MW de geração hidroelétrica.

Uma primeira constatação é de que as usinas termelétricas, apesar de caras, têm sido um instrumento efetivo para evitar apagões na região Sudeste. Embora o perfil de geração eólico seja contracíclico com relação às hidrelétricas, o perfil diário intermitente, bem como uma participação ainda baixa das eólicas na matriz de geração, não permite prescindir da segurança aportada pelas termelétricas.

Mas isso gera distorção. Uma boa parte das termelétricas brasileiras foi construída no âmbito do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), com contratos de gás de 20 anos e preços de USD 4,31/MMBtu (abril 2021). O preço de gás para outras no térmicas no Sudeste é da ordem de USD 5.66/MMBtu. Como não existe gás nacional suficiente para abastecer as termelétricas, o país regaseificou uma média de 18,16 MMm3/dia de GNL importado a um preço médio de USD 7,07/MMBtu, FOB. Os custos de transporte, regaseificação e desembaraço adicionariam pelo menos USD 2 ao preço FOB, resultando em uma diferença de USD 3.5-5.0/MMBtu entre o custo de GNL e o preço de venda para as térmicas do PPT. 

O mercado spot de GNL está bastante aquecido, ajudado pelo aumento das compras da Argentina e do Brasil. A Argentina já comprou 52 cargas de GNL em 2021, com um dispêndio de USD 957 milhões, porque a produção nacional ficou aquém das necessidades no inverno, quando a demanda residencial é 6 vezes superior à  demanda de verão. Em julho, os preços spot de GNL chegaram a USD 13,23/MMBtu, o que deverá aumentar as despesas de importação para o Brasil e Argentina.

No caso do Brasil, uma hipótese é de que as térmicas estejam sendo parcialmente subsidiadas pelos outros segmentos do mercado. Um outro fato interessante é que os produtores privados estão vendendo gás a outros produtores, a preços da molécula bastante inferiores aos preços da Petrobras para distribuidoras e consumidores livres. Dados da ANP mostram que, em abril de 2021, as vendas entre produtores atingiram 14,15 MMm3/dia, dos quais 11 milhões da bacia de Santos. O preço médio de venda foi de USD 2,56/MMBtu; o preço na Bacia de Santos é de apenas USD 2,08/MMBtu. O preço da molécula de gás nacional nos city gates da região Sudeste foi de USD 5,03/MMBtu, gerando uma margem de USD 2,95/MMBTU para remunerar o escoamento e processamento de gás nacional.

Tendo em vista que a Lei 14.182/21 obriga a União a outorgar concessões de 8 GW de termelétricas a gás, para o período 2026-2030, pergunta-se de onde viria o gás. Assumindo inflexibilidade de 70%, seriam necessários cerca de 25 MMm3/dia. As bacias de Campos e de Santos são responsáveis por 60% da disponibilidade de gás nacional e os estados do Sudeste contam ainda com gás da Bolívia e terminais de GNL. Com a conclusão da Rota 3 pela Petrobras, o volume disponível poderá aumentar em 18 MMm3/dia.

Os estados do Centro Oeste poderiam importar gás da Bolívia, mas se as termelétricas se localizarem em cidades que não contam com ponto de suprimento, isso requeriria novos gasodutos. Na região Norte, a média de gás reinjetado no Amazonas era de quase 6 MMm3/dia, suficiente para abastecer uma termelétrica de 1500 MW. No caso do Nordeste, não existe disponibilidade de gás nacional na região para atender os 1000 MW previstos por lei. Seria lógico que o suprimento fosse via GNL, dado o custo elevado de transporte de gás das Bacias de Campos e de Santos via Gasene, porque o gás teria de transitar por dois sistemas de transporte.

Para o horizonte 2030 não existem projetos aprovados para construção de novos gasodutos de escoamento. E a Rota 3, cuja construção foi iniciada em 2016, só será concluída em 2022. Novas rotas, na melhor das hipóteses, somente entrariam em operação após 2028.

Ieda Gomes é consultora independente e membro do conselho de administração de empresas internacionais de energia, infraestrutura e certificação

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