
Geração de emprego e renda na esteira dos parques eólicos
Análises apontam impactos positivos da produção de energia eólica no país, mas a dinâmica de arrendamento de terras ainda não é transparente
O investimento em parques de geração de energia eólica cria oportunidades de desenvolvimento socioeconômico. A construção e operação desses empreendimentos, sobretudo no Nordeste, aumentaram a geração de empregos, a arrecadação de impostos e os indicadores sociais. Por outro lado, a questão do arrendamento de terras para instalação de aerogeradores vem suscitando dúvidas sobre as condições em que são estabelecidos os termos e firmados os contratos entre as empresas que atuam no setor eólico e os proprietários dos terrenos.
O pesquisador-associado do FGV-IBRE e economista-sênior da LCA Consultores, Bráulio Borges, mostrou no estudo “Estimativas dos impactos dinâmicos do setor eólico sobre a economia brasileira” que cada R$ 1,00 investido em eólicas tem impacto de R$ 2,9 no Produto Interno Bruto (PIB). O estudo foi preparado para a Abeeólica e considera os R$ 110,5 bilhões investidos na construção de parques eólicos no país de 2011 a 2020. O trabalho também traz uma

estimativa de quase 196 mil postos de trabalho gerados no período, ou 10,7 empregos por MW instalado na fase de construção dos parques. E uma média de 0,6 empregos por MW instalado para operação e manutenção. Borges disse estar planejando desenvolver no ano que vem outro estudo sobre os impactos econômicos do setor eólico, desta vez tendo como base os dados sobre os municípios brasileiros que o IBGE está coletando no Censo 2022.
Já o estudo “Impactos socioeconômicos e ambientais da geração de energia eólica no Brasil”, realizado pela consultoria GO Associados, apontou que, no que se refere ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e PIB Municipal, os municípios que têm parques eólicos tiveram uma performance 20,19% e 21,15% melhor, respectivamente, para estes dois indicadores.
De 2011 a 2019, considerando o setor de máquinas e equipamentos, inclusive manutenção e reparos e aquisição de produtos e a contratação de serviços no mercado doméstico, o valor investido pelo setor foi de R$ 66,9 bilhões. Foram calculados os efeitos diretos, indiretos e efeito renda causados por esses investimentos, o que levou à conclusão de que eles tiveram potencial de expandir a produção das regiões Nordeste e Sul do país (valor agregado) na ordem de R$ 262 bilhões, gerando mais de 498 mil empregos por ano, em média, e R$ 45,2 bilhões em massa salarial. Além disso, foram arrecadados R$ 22,4 bilhões em tributos relacionados, sendo R$ 11,8 bilhões em ICMS e R$ 1,9 bilhão em IPI.
Arrendamento
A GO Associados também calcula um valor de R$ 165,5 milhões de pagamento em arrendamentos em 2018 no país. Para estimar os impactos na economia local desses pagamentos realizados para as famílias, foi utilizada a metodologia da MIP Regional-IBGE. A principal hipótese é que o valor recebido seria utilizado principalmente para consumo em bens e serviços. Primeiramente, foi considerada a importância relativa dos gastos realizados pelas famílias, agregados em 12 macro setores no orçamento das famílias brasileiras que vivem na zona rural. Em segundo lugar, foram utilizados dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE. Assim, considerando os dados de 2018, os pagamentos de arrendamento de terras para expansão do setor eólico, em torno de R$ 165,5 milhões ao ano, têm potencial de levar a uma expansão da produção das Regiões Nordeste e Sul (valor agregado) da ordem de R$ 524,6 milhões, gerando mais de 8 mil empregos e R$ 43,2 milhões em massa salarial. Além disso, são arrecadados R$ 45,4 milhões em tributos relacionados, sendo quase R$ 25,5 milhões em ICMS e R$ 2,5 milhões em IPI.
Os contratos de arrendamento de terra são mantidos sob sigilo. A Brasil Energia solicitou a algumas das maiores empresas do setor eólico acesso a pelo menos um trecho dos contratos, o qual foi negado, com a alegação de que possuem cláusulas de confidencialidade.

O secretário executivo de Energia e Telecomunicações da Secretaria da Infraestrutura do Ceará, Adão Linhares, explicou que, por se tratar de negociação privada, o Estado não interfere, mas sabe que os proprietários que arrendam terras para geradoras eólicas costumam receber por mês entre 1% e 1,5% da receita líquida da usina. Em alguns casos, recebem um valor mensal por torre instalada.
“Nesses terrenos, a produção agrícola e pecuária não dá um valor nem perto disso. Então, percebo uma ótima aceitação por parte dos proprietários que arrendam terras. No Nordeste, de forma geral, por causa das características climáticas, os terrenos não são produtivos. De qualquer forma, os parques eólicos não interferem muito na produção, ou seja, a geração eólica pode ocorrer ao mesmo tempo em que a pessoa pode plantar e criar animais. E ela passa a ter uma aposentadoria, porque os contratos são de longo prazo, normalmente 20 anos. É uma renda relativamente boa, que ele não tinha antes”, afirmou o secretário.
Linhares contou que “existiram casos em que empresas, de certa forma, bloquearam, nas dunas do litoral cearense, a passagem dos pescadores para o mar, o que causou revolta em moradores”. Segundo ele, isso ocorreu nos primeiros projetos eólicos, portanto já não há mais tal problema.
Já o advogado Claudionor Vital, que assessora organizações de trabalhadores no interior da Paraíba, analisou vários contratos de arrendamento de terras para geração de energia eólica na região. Conforme ele descreveu à BBC em matéria publicada em maio, os documentos costumam seguir um mesmo padrão e definir que a remuneração das famílias será proporcional à energia gerada nas propriedades. “Quando as empresas procuram as famílias, elas usam o discurso de que elas ganharão de R$ 3 a 4 mil por mês, mas esse não é um valor concreto, elas não escrevem isso no contrato”, afirmou. Para Vital, os contratos deveriam estipular o pagamento de uma renda mínima às famílias para que não fiquem sujeitas à oscilação dos ventos. Ainda segundo ele, os documentos têm longos prazos de vigência (de 30 a 50 anos) com possibilidade de prorrogação a critério das empresas e multas unilaterais que inibem as famílias de repensar ou desistir do negócio, enquanto as empresas podem desistir sem pagar multa.
Outro problema apontado pelo advogado são cláusulas definindo que a propriedade passe a ter como prioridade a geração de energia eólica. Na prática, segundo Vital, isso significa que a realização de outras atividades econômicas no território, como o cultivo de alimentos, fica sujeita à aprovação da empresa e não pode afetar a geração de energia.
Empresas e as comunidades
Veja a seguir o relacionamento de três empreendedoras de parques com as comunidades locais onde têm usinas
Voltalia
A francesa Voltalia informou à Brasil Energia que, ao todo, mais de 1.600 proprietários de terras vêm sendo beneficiados com o desenvolvimento, construção e operação de parques eólicos da empresa no país. E garantiu ter cautela na confecção de cláusulas contratuais de arrendamento de terras para que atendam e reflitam as reais necessidades dos proprietários. Os contratos da companhia preveem várias etapas do projeto, com pagamentos mensais ou anuais desde a assinatura do contrato, como contrapartida pela cessão do uso do solo e, em especial na fase de operação comercial, na qual existe a remuneração variável, ou seja, atrelada à receita/geração da central eólica.
“Consta expressamente em nossos contratos fundiários uma cláusula que assegura o pagamento de um valor mínimo, o que significa afirmar que, durante aquele período de 12 meses, caso a receita apurada pela geração do parque eólico não seja suficiente ao que fora estabelecido em contrato, a empresa compensa de forma financeira este proprietário/posseiro, justamente visando equilibrar a relação financeira deste contrato”, afirmou a Voltalia.
Na maior parte dos projetos desenvolvidos pela Voltalia, os proprietários são residentes das comunidades locais. A depender do perfil socioambiental do município, há ainda casos em que os proprietários migram das regiões abrangidas pelos parques. A companhia possui uma ouvidoria para receber sugestões, feedbacks e as mais diversas solicitações das comunidades do entorno de seus projetos, por meio de um número telefônico que também pode ser acionado via aplicativo de mensagens WhatsApp.
Durante o pico da obra do complexo eólico de Canudos (99,4 MW), entre outubro e novembro de 2021, a Voltalia contratou mais de 600 trabalhadores e 195 fornecedores do município de Canudos (BA) e seu entorno. A contratação de mão de obra resultou em mais de R$ 770 mil injetados mensalmente na economia local. A empresa recebeu mais de 500 solicitações via ouvidoria e somou R$ 1,2 milhão investidos em 53 ações e projetos sociais que impactam mais de 22,2 mil pessoas na região, sendo 32 já finalizados e 21 ainda em andamento. O complexo segue em construção, com potencial total estimado de 1 GW.

Em parceria com o Instituto Brasileiro de Expedições Sociais (IBES), a Voltalia promoveu no ano passado a primeira Expedição de Saúde e Social em comunidades do município de Canudos. O projeto ganhou corpo e neste ano tem acontecido mensalmente, oferecendo aos moradores atendimentos em diversas especialidades, como clínica geral, terapia ocupacional, odontologia, fisioterapia, entre outras, além de pequenos procedimentos cirúrgicos, exames laboratoriais e complementares. As expedições contam com o apoio de aproximadamente 20 profissionais em cada edição para atender moradores de todas as idades. Até o mês de julho, foram realizados 1.546 procedimentos médicos aos moradores. Além dos profissionais que participam das atividades, anualmente grupos de voluntários da comunidade são treinados, capacitados e instrumentalizados para prestar apoio durante e após o período em que acontecem as expedições.
Enel Green Power
A Enel Green Power, por sua vez, informou que possui cerca de 630 contratos com proprietários locais envolvendo arrendamento de terras para instalação de aerogeradores, considerando todos os seus projetos eólicos em operação no Brasil. Alguns dos proprietários residem nas regiões onde arrendam parte de suas terras, enquanto outros constroem, com o valor do arrendamento, moradias em comunidades vizinhas. É o caso do agricultor José Claudio da Mata, um dos moradores beneficiados pela instalação de aerogeradores do parque Lagoa dos Ventos, no Piauí. Ele viveu da agricultura por mais de três décadas e, apesar de muitas dificuldades, não abandonou as suas terras, localizadas no município de Lagoa do Barro. O empreendimento proporcionou a melhoria das condições financeiras dele e de sua família. Hoje, possui uma renda fixa, paga as contas em dia, reformou a casa e consegue ajudar os filhos.

Em 2021, as obras da Enel Green Power geraram mais de 2.400 empregos locais, resultando em cerca de R$ 15,5 milhões em renda nas comunidades onde atua. A empresa promove, em parceria com o Sistema Nacional de Emprego (Sine), cadastro de moradores locais com encaminhamento para contratação nas vagas de emprego de todas as suas obras de construção de empreendimentos eólicos. Com isso, a empresa afirmou que sempre atinge o patamar de contratação de mão de obra local acima de 50%.
Na Bahia, a companhia mantém um projeto para fortalecimento do patrimônio cultural das comunidades tradicionais quilombolas que visa o fortalecimento socioeconômico e cultural das associações locais e o incentivo ao empoderamento das mulheres dessas comunidades, por meio da geração de renda e fortalecimento de uma rede de cultura de troca de práticas e vivências. Uma das iniciativas desenvolvidas na região foi a capacitação e formação do Ateliê de Costura e Cultura Quilombola. Nas comunidades de Lage dos Negros e Queixo Dantas, foram desenvolvidas três frentes de trabalho com projetos que visam a capacitação para o empreendedorismo, associativismo e geração de renda. No total, 442 pessoas foram beneficiadas.
EDP Renováveis
Já a EDP Renováveis investiu, nos últimos cinco anos, cerca de R$ 13 milhões em projetos sociais no Brasil, com foco em contribuir com o desenvolvimento educacional, cultural e social das comunidades locais onde atua. As iniciativas beneficiaram mais de 20 mil habitantes das localidades próximas aos seus empreendimentos localizados nos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul.

A empresa possui o programa EDP Renováveis Rural, que promove capacitações voltadas à sustentabilidade das propriedades rurais, do fomento à inovação, ao empreendedorismo e à difusão das tecnologias sociais de produção. Além disso, fomenta a gestão de boas práticas de forma a garantir que a agricultura familiar e os projetos renováveis coexistam e prosperem. Desde a criação do programa, em 2016, a companhia contribuiu com mais de R$ 6 milhões para o desenvolvimento deste projeto, beneficiando 26 comunidades e impactando diretamente 826 produtores locais, por meio da implantação de 83 tecnologias sociais.
Neste ano, a EDPR lançou o programa de responsabilidade social Keep it Local, que em tradução literal significa Manter Local, cuja missão é impulsionar a empregabilidade em zonas rurais e contribuir para a formação e a criação de emprego a fim de combater o despovoamento rural, aproveitando o desenvolvimento das energias renováveis nessas regiões. A iniciativa oferece bolsas de estudos gratuitas para cursos em renováveis.
Diante do imenso potencial de expansão de usinas eólicas no país, fica clara a importância de se aprofundar as análises para aprimorar a dinâmica de relação de todas as partes envolvidas na atividade.
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