Opinião

Estratégias para organizar a cadeia de descomissionamento no Brasil

Brasil corre risco de ver grande parte do valor gerado direcionada à fornecedores estrangeiros, sem demanda clara para justificar investimentos da cadeia local

Por Edmar de Almeida

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Nos últimos anos, a discussão sobre o abandono de instalações e estruturas na indústria petrolífera offshore vem ganhando relevância no Brasil e no mundo, à medida que importantes bacias offshore ao redor do mundo atingem sua maturidade produtiva. São previstos mais de dois mil projetos de descomissionamento entre 2021 e 2040[1], com investimentos estimados na ordem de US$ 85 bilhões no mundo entre 2018 e 2022[2].

Os gastos com descomissionamento podem compensar, parcialmente, a queda do nível de investimentos em uma bacia madura e representam uma oportunidade importante para a cadeia de fornecedores do setor petrolífero. Também podem desenvolver novos setores produtivos, tais como a indústria de desmanche e reciclagem de materiais das instalações petrolíferas, gestão de resíduos e gestão ambiental.

A dinamização da cadeia de fornecedores e a criação de novos negócios através do descomissionamento é um desafio importante que requer uma estratégia de política pública bem estruturada. O descomissionamento de campos offshore é uma atividade bastante desenvolvida na América do Norte e na Europa, que contam com uma cadeia de fornecedores organizada e bastante competitiva. Países como o Brasil que iniciam esta atividade correm o risco de ver grande parte do potencial de geração de valor ser direcionado para fornecedores estrangeiros melhor preparados para o atendimento desta demanda.

No Brasil existe um parque produtivo com grande potencial para  atuar em todos os segmentos do descomissionamento. Mas para que as empresas estejam aptas a disputar contratos, precisam investir na capacitação tecnológica e no licenciamento técnico e ambiental. Para realizar este investimento as empresas precisam vislumbrar o mercado potencial. Neste ponto reside o principal desafio. Atualmente, existe uma enorme incerteza sobre a evolução da demanda de serviços de descomissionamento.

Uma etapa importante do descomissionamento e pouco discutida no Brasil é a de reuso, reciclagem e descarte de unidades de produção, navios e sistemas submarinos. Existe um grande potencial no país neste segmento dos serviços de descomissionamento. É importante desenvolver no Brasil alternativas ao desmanche em países com regulações frágeis e práticas pouco seguras e sustentáveis. Isso traria novos investimentos e demandas ao setor naval e poderia articular o setor de reciclagem e sucata com a indústria siderúrgica e metalúrgica.

Em grande parte, a incerteza sobre a demanda de serviços está relacionada com a dificuldade do processo de licenciamento técnico e ambiental dos projetos de descomissionamento dos campos. Este licenciamento é um processo complexo, envolvendo um grande número de stakeholders e pode levar muito tempo para definição.

Uma estratégia para organização da cadeia de atividades de descomissionamento no Brasil deve ter os seguintes objetivos: i) reduzir o risco do processo do licenciamento técnico e ambiental do descomissionamento; ii) dar maior visibilidade para o cronograma do descomissionamento de campos; iii) identificação dos desafios de capacitação da cadeia de fornecedores no Brasil.

Estes objetivos poderiam ser atingidos através de ações de políticas públicas lideradas pelo MME. Para reduzir o risco do processo de licenciamento técnico é fundamental a qualificação dos principais atores deste licenciamento (ANP, IBAMA e Marinha). Estes órgãos devem se qualificar e ter conhecimento das metodologias de avaliação de opções de abandono e da legislação internacional aplicável, de modo a elaborar manuais e critérios técnicos voltados ao ambiente brasileiro.

Para dar maior visibilidade à futura demanda de serviços de descomissionamento, a ANP precisa realizar e divulgar um estudo detalhado para avaliar de forma realista os futuros projetos de descomissionamento, dando melhor indicação possível ao mercado quanto à demanda esperada de serviços de descomissionamento.

Por fim, pelo lado da oferta, são necessárias ações para identificar as lacunas de capacitação na cadeia do descomissionamento, e o desenho de políticas de capacitação para os segmentos menos desenvolvidos. Para isto, é fundamental a realização de estudos técnicos para avaliar a capacidade de resposta dos fornecedores brasileiros considerando a demanda esperada pela ANP.

Edmar de Almeida é professor (licenciado) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do IEPUC.

Neste artigo, colaborou Manuel Victor Matos, economista e doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da UFRJ

[1] IHS Markit. (2016). Offshore decommissioning study report. London, UK: IHS Markit.

[3] Wood Mackenzie (2017). US$32 billion of decommissioning worldwide over the next five years: is the industry ready?

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