Opinião

Despacho centralizado ou descentralizado

Incerteza e disputa pela água tornam mais complexo o despacho do sistema hidrotérmico

Por Jerson Kelman

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[vc_row][vc_column][vc_column_text]O despacho de usinas num sistema térmico para o atendimento da carga é tema que poderia ser tratado num curso de introdução à microeconomia. Os geradores ofertam quanta energia querem produzir e a qual preço. A partir dessas informações, o operador do sistema constrói a curva de oferta (crescente com o preço). Onde a curva de demanda (decrescente com o preço) cruza a de oferta, aí se tem o ponto de equilíbrio, definidor do “preço spot”, a ser aplicado às compras e vendas efetuadas no intervalo de tempo considerado. São despachadas as usinas cujas ofertas de preço sejam menores ou iguais ao preço spot. As demais nada geram. Usinas eólicas e solares podem participar do processo, desde que associadas a outras usinas que possam ser acionadas em caso de pouco vento ou pouca insolação. Nessa sistemática, o despacho é descentralizado. Cada usina age em seu próprio interesse, sem visar o bem comum. Mas ainda assim, como diria Adam Smith, o resultado agregado serve bem aos consumidores. 

Num sistema hidrotérmico o problema é mais complexo devido à incerteza e à disputa pela água. Tratemos primeiro da incerteza. O gerador hidroelétrico tem que decidir se usa a água para produzir eletricidade ou se a mantém estocada no reservatório para uso futuro. Se chover muito e o reservatório verter, a decisão de não produzir para economizar água será vista retrospectivamente como ruim. Se, por outro lado, ocorrer uma seca, a capacidade coletiva de produção das usinas hidroelétricas diminuirá, o preço spot subirá, e a decisão será considerada boa. Essa dependência temporal da capacidade de produzir inexiste num sistema térmico.

Tratemos agora da disputa pela água. A capacidade de produção de uma usina que não esteja na cabeceira da cascata depende do uso da água que se faça a montante, tanto por outras usinas quanto por usuários de outros setores.  Em particular, quando a usina A produz (passando água pelas turbinas), estará aumentando a disponibilidade hídrica da usina B, localizada a jusante. Essa dependência da capacidade de produzir entre unidades geradoras inexiste num sistema térmico. 

Quando um irrigante localizado a montante produz, estará diminuindo a disponibilidade hídrica da usina B. Teoricamente, o direito de acesso à água é disciplinado pelas outorgas emitidos pelos governos estaduais e federal. Mas na prática observa-se em algumas bacias mais água sendo utilizada na irrigação do que seria permitido. A reação do Setor Elétrico nesses casos tem sido débil, essencialmente devido ao “efeito carona do MRE” (a usina recebe a mesma fração da produção coletiva, a despeito do decréscimo de produção por falta de água).

O Setor Elétrico adota o despacho centralizado há décadas. Ao longo do tempo, muito tem sido aperfeiçoado, mas o objetivo do modelo de otimização continua sendo a minimização do valor esperado do custo nos próximos anos, considerando a incerteza sobre o comportamento futuro das afluências às usinas, da evolução da carga, do custo unitário operativo das térmicas e do custo do déficit. O modelo produz dois resultados: o despacho e o custo marginal de operação, que tem sido utilizado para formar o preço spot (o PLD). 

Conceitualmente, a decisão centralizada resulta no uso ótimo dos recursos energéticos existentes. Claro, desde que seja possível modelar estocasticamente as diversas fontes de incerteza e capturar corretamente os custos tangíveis e intangíveis impostos à sociedade por um eventual racionamento. 

Com o passar dos anos, o Setor Elétrico foi ficando cada vez mais complexo e a “infantilização” dos agentes geradores - no sentido que não são responsáveis pela decisão sobre a quantidade de energia que suas respectivas usinas geram e os consequentes resultados econômicos - resultou numa avalanche de disputas judiciais. A separação entre lastro e energia, atualmente em discussão, poderá facilitar a incorporação de algumas características do despacho descentralizado, que permitam fazer melhor uso do conhecimento e da inteligência dos agentes de geração. 

Suponho que haja gente talentosa buscando a síntese do que há de melhor nos despachos centralizado e descentralizado. Arrisco um palpite: talvez a curva de oferta possa ser construída em dois passos. Primeiro, a partir dos lances de quantidade-de-energia e preço dos geradores, como num sistema puramente térmico. Segundo, por meio de “lances sistêmicos” feitos pelo operador, com base em modelo de otimização que use como “parque gerador” as usinas com lastro cujos lances tenham sido inferiores à respectiva capacidade conjuntural de produção.

Jerson Kelman é professor da COPPE-UFRJ, ex-diretor geral da ANA e da Aneel e atual presidente do CA da Eneva[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_raw_html]JTNDZGl2JTIwcm9sZSUzRCUyMm1haW4lMjIlMjBpZCUzRCUyMm5ld3NsZXR0ZXItb3Bpbmlhby02ZWY3ZjBkYWRiMWJmYzA0YTA5MyUyMiUzRSUzQyUyRmRpdiUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUyMHNyYyUzRCUyMmh0dHBzJTNBJTJGJTJGZDMzNWx1dXB1Z3N5Mi5jbG91ZGZyb250Lm5ldCUyRmpzJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zJTJGc3RhYmxlJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zLm1pbi5qcyUyMiUzRSUzQyUyRnNjcmlwdCUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUzRSUyMG5ldyUyMFJEU3RhdGlvbkZvcm1zJTI4JTI3bmV3c2xldHRlci1vcGluaWFvLTZlZjdmMGRhZGIxYmZjMDRhMDkzJTI3JTJDJTIwJTI3VUEtMjYxNDk5MTItOCUyNyUyOS5jcmVhdGVGb3JtJTI4JTI5JTNCJTNDJTJGc2NyaXB0JTNF[/vc_raw_html][/vc_column][/vc_row]

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