Opinião

A trilha para o desenvolvimento de um mercado spot de gás no Brasil

O início de um mercado atacadista de gás se dá por meio do processo de liberalização e de introdução do livre acesso ao sistema de transporte e de distribuição e das infraestruturas essenciais

Por Edmar de Almeida

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O Brasil está implementando uma liberalização do mercado de gás no Brasil com o objetivo de desenvolver um mercado competitivo de gás natural. O setor iniciou uma trilha em direção ao mercado concorrencial e no fim desta trilha surgirá um mercado de curto prazo e um mercado spot de gás natural. Neste sentido, é muito importante entender o caminho a ser trilhado até o desenvolvimento de um mercado spot de gás no Brasil.

O início de um mercado atacadista de gás se dá por meio do processo liberalização e de introdução do livre acesso ao sistema de transporte e de distribuição e das infraestruturas essenciais (terminais de regaseificação, unidades de tratamento de gás – UPGNs, e gasodutos de escoamento). Esta é a fase em que nos encontramos. A esperada aprovação da Nova Lei do Gás em discussão no Congresso e a implementação da agenda regulatória da ANP irá justamente permitir superar esta primeira fase.

Outro aspecto extremamente importante do desenvolvimento de um mercado spot para o gás é o acoplamento entre o mercado de transporte de gás e o mercado da molécula. Contrariamente ao setor elétrico, o gás natural apresenta um custo de transporte elevado, sendo necessário associar os fluxos físicos aos comerciais. Caso a tarifa de transporte do gás seja calculada pela metodologia ponto a ponto, ou seja, considerando a distância do ponto de entrada e ponto de retirada, cada contrato de molécula deverá estar associado à um contrato específico de transporte, o que representa uma barreira significativa para o desenvolvimento de um mercado spot de gás, já que implica em um alto custo de transação.

O sistema tarifário entrada-saída foi desenvolvido no Reino Unido na década de 1990, visando introduzir um mercado spot no sistema de transporte de gás. Esta metodologia tarifária permitiu a criação do National Balancing Point (NBP) que é um hub virtual de comercialização de gás. Neste hub virtual, todos os agentes que possuem capacidade de injeção contratada podem negociar com os agentes que possuem capacidade de retirada contratada. Essa metodologia tarifária foi introduzida nos demais países europeus, o que viabilizou o desenvolvimento de vários outros hubs virtuais de gás, dentre eles o TTF da Holanda, que hoje é o maior hub da Europa continental. O Brasil encontra-se em processo de implementação desta metodologia tarifária e, uma vez finalizado este processo, teremos dado outro passo importante na trilha até o mercado spot.

Outro aspecto fundamental para o acoplamento do mercado de transporte de gás ao mercado de molécula é o desenvolvimento de um mercado de ajuste para capacidade de transporte. Ou seja, é importante que os códigos de rede do sistema de transporte permitam que o balanceamento das injeções e retiradas do sistema de transporte ocorram via comercialização de gás entre carregadores e comercializadores. Em geral, o mercado de ajuste de gás tem um papel fundamental para a criação de liquidez no mercado spot de gás. Em muitos casos, o mercado de ajuste foi a semente do mercado spot.

A trilha para o desenvolvimento de um mercado concorrencial de gás no Brasil será longa e complexa. A experiência europeia mostrou que não existem atalhos nesta trilha. Neste sentido, é fundamental acelerar ao máximo o processo de reformas estruturais e regulatórias em andamento.

Uma vez aprovada a Nova Lei, será preciso construir uma capacitação institucional e setorial para implementar a complexa regulação técnica necessária ao funcionamento de um mercado liberalizado. Para isto será fundamental que a ANP desenvolva uma capacitação regulatória para desenhar e regular um mercado competitivo de gás. Ademais, será muito importante que os agentes dos diferentes segmentos do setor superem as divergências que se manifestaram na discussão da nova lei do gás e alinhem seus interesses em busca dos benefícios de um mercado competitivo. Todos os agentes do setor terão um papel neste processo e devem se preparar para esta nova etapa do setor de gás no país.

Edmar de Almeida é professor (licenciado) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do IEPUC

 

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