Opinião

Desafios para comercialização de gás no novo contexto de mercado concorrencial

O desenvolvimento de uma área de inteligência de mercado no atual contexto do setor requer um planejamento estratégico inspirado nas melhores práticas de mercados liberalizados e de outros setores de energia no país

Por Edmar de Almeida

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O modelo de desenvolvimento da indústria de gás natural brasileira foi tradicionalmente ancorado na Petrobras como única compradora e vendedora do insumo. Até recentemente, a empresa foi responsável pela compra do gás importado, pela compra do gás dos produtores privados e pela venda para distribuidoras e usinas termelétricas. Este papel concentrou na empresa a base de conhecimento e as competências para negociação e precificação do gás natural no Brasil. 

Para lidar com contratos de compra e venda de gás nos mercados nacional e internacional, a Petrobras desenvolveu internamente uma inteligência de mercado para acompanhar cenários e definir estratégias para os mais diversos tipos de contratos. A atuação na compra e venda de GNL no exterior, por exemplo, expôs a empresa à dinâmica dos mercados spot de gás nos EUA, na Europa e na Ásia. 

Por outro lado, o restante dos atores no mercado nacional não precisou desenvolver uma inteligência de mercado sofisticada. Os produtores vendiam gás natural na boca do poço para a Petrobras através de contratos de longo-prazo, e as distribuidoras, basicamente, acatavam as estratégias de precificação da Petrobras e repassavam aos seus clientes finais as características e termos dos contratos de compra com a Petrobras. 

A abertura do mercado de gás no Brasil muda completamente o cenário de competências necessárias para atuar com eficiência. Agora, pelo lado da venda, produtores privados precisam negociar diretamente com o mercado. Para isso, vão precisar desenvolver competências comerciais, que incluem serviços de escoamento, tratamento e transporte. 

Ademais, vão precisar conhecer as distribuidoras e os grandes consumidores e negociar e monitorar contratos muito mais complexos. Pelo lado da compra, distribuidoras e grandes consumidores precisarão adquirir competências de negociação de contratos de fornecimentos num contexto de diversidade de oferta, o que implica em lidar com diferentes atores, com diferentes características de suprimentos e fórmulas de preço, além de terem que contratar serviços de transporte em alguns casos.

O desafio pode até ser normal, mas não tem nada de trivial. O desenvolvimento da inteligência de mercado em um contexto concorrencial vai requerer visão estratégica dos players para investirem na formação de pessoas, aquisição de informações e ferramentas de análise e, principalmente, na construção de uma governança adequada à comercialização de gás natural. 

As empresas que falharem neste processo de adaptação vão, certamente, pagar um preço elevado por contratos mal negociados e desequilibrados; pela escolha de índices de indexação dos preços inadequados; e pela exposição a riscos de suprimento, entre outros problemas. Por essa razão, é fundamental que os envolvidos não menosprezem o tamanho do desafio. 

O desenvolvimento de uma área de inteligência de mercado no atual contexto do setor requer um planejamento estratégico inspirado nas melhores práticas de mercados liberalizados e de outros setores de energia no país, onde a comercialização já evoluiu para um contexto concorrencial. 

A partir da definição de objetivos estratégicos, cada empresa deve avaliar os recursos necessários, os disponíveis internamente e os que precisam ser adquiridos/desenvolvidos. Tendo em vista o nível incipiente de maturidade da comercialização de gás no Brasil, a estruturação de uma área de inteligência competitiva vai requerer investimentos significativos e tempo de amadurecimento. As empresas vão precisar atrair e treinar profissionais de outros mercados e/ou treinar os que já atuam no setor. 

Será necessário também adaptar a governança da área comercial para um cenário mais dinâmico e arriscado. Na medida em que a comercialização envolver cada vez mais risco, será fundamental estabelecer processos de avaliação de riscos, além dos níveis de autorização dos diferentes profissionais/departamentos para negociação de contratos. 

Após muita luta para introduzir a concorrência no mercado de gás, o ambiente começou a mudar. Chegou a hora de se preparar para esta nova realidade.

Edmar de Almeida é professor licenciado do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do IEPUC

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