Opinião

Competição só é legal se for legal

Privatização do refino possibilita ganho de competitividade, mas carga tributária ainda pesa sobre preços dos combustíveis e cria indústria de evasão fiscal

Por Paula Kovarsky

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Distribuição de combustíveis no Brasil é mais um setor onde aumento de visibilidade e educação sobre o tema andaram a passos bem diferentes. O setor poderia ser considerado maduro dado que a distribuição foi o primeiro elo da cadeia a ser desregulamentado no Brasil no final da década de 90. Mas o tema competição, ou a definição e entendimento geral do que seria competição justa, tem muito a evoluir. Assimetrias tributárias, informalidade, e, em bom português, sonegação de impostos,  explicam a maior parte das questões, além de dificultar tentadoras comparações com outros mercados ao redor do mundo.

Até pouco tempo atrás a Petrobras era responsável pelo suprimento de derivados de petróleo no Brasil. Com a privatização de metade do refino, 50% do suprimento doméstico passará para iniciativa privada. Portanto, em 2021 teremos uma figura bem diferente em termos de alternativas de suprimento, com 10-15 players entre refinadores e importadores. Nos Estados Unidos, esse número é pelo menos 10 vezes maior. Mas essa abertura já representa uma mudança relevante e positiva para o Brasil.

Existem hoje mais de 150 distribuidoras de combustíveis no país. Ainda que as quatro maiores distribuidoras tenham cerca de 65% do market-share, o mercado brasileiro tem atraído players internacionais como Glencore, Vitol, Total e Petrochina, além do fortalecimento de grupos regionais que têm tornado o marcado cada vez mais competitivo especialmente se olharmos por região geográfica.

Por que então o litro de gasolina na bomba no Brasil custa quase 60% a mais que nos EUA, benchmark de mercado competitivo? Podemos falar de particularidades como logística melhor ou integração maior da cadeia. Mas a grande diferença está no peso dos impostos. Dos R$ 4,60/l pagos em média no Brasil, cerca de R$ 2,00/l é imposto. Nos EUA, dos R$ 2,90/l pagos na bomba apenas R$ 0,60/l é imposto. Dos R$ 1,70/l de diferença, R$ 1,45/l ou 84% é imposto!

A combinação de altos impostos com uma das estruturas tributárias mais complexas do mundo abriu espaço para uma indústria de evasão fiscal no Brasil, por vezes feita através de brechas na regulação, alavancada na morosidade do sistema judiciário e estimulada pela baixa fiscalização. É uma dinâmica perversa. O governo deixa de arrecadar algo como R$ 10 bilhões por ano pelas contas da industria. A sonegação representa um vantagem competitiva incomparável com qualquer esforço de melhoria de eficiência ou escala, não importa quantos competidores estejam no mercado. As diferenças estaduais de imposto geram ineficiências logísticas enormes. E pior, o consumidor não se beneficia de preços mais baixos!

O governo brasileiro precisa dar foco na reforma tributária por mais complexa que ela seja. Mas muita coisa já poderia ser feita com custos menores do que se imagina. Não cabe mais o argumento de falta de orçamento adequado para fiscalização. O Brasil tem bases de dados completas como da Receitas Federal e Estaduais, Nota fiscal eletrônica, frete eletrônico, volumes vendidos por empresa e listas de devedores duvidosos dos bancos que podem ser processadas por algoritmos, possibilitando a identificação de várias dessas distorções. Fora importação de volumes de combustível 10 vezes maiores do que a demanda na região em que se opera com benefício de isenção fiscal, um mesmo grupo econômico que abre e fecha uma nova distribuidora de combustível a cada ano, ou agentes que recorrentemente deixam de recolher imposto e nada acontece. Alguns governadores já se movimentaram para atacar o problema. Mas esse movimento precisa virar um programa integrado, federal, estadual e municipal.

Competição justa e eficiente se faz, não só com regras claras e validas para todos, mas com a aplicação efetiva dessas regras e punição pelo não cumprimento. O governo precisa usar inteligência, tecnologia e bom senso e acima de tudo agir, quebrando esse círculo vicioso cultural de que não pagar imposto no Brasil pode e faz parte do jogo.

Paula Kovarsky é Head of US Office e diretora de Relações com Investidores da Cosan desde 2015, com mais de 20 anos de experiência no setor de Óleo & Gas

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