Opinião

Cadeias de Suprimentos e Cadeias de Valor

Empresas ou setores econômicos que não ocupam degraus mais nobres nas CGV, ou não realizam etapas-chave das CGS, como a indústria de óleo e gás, podem tornar-se reféns de eventos globais que contribuam para novas crises

Por Telmo Ghiorzi

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

O fluxo de bens e serviços para que determinado produto seja produzido e entregue ao destino é uma Cadeia de Suprimentos. Se suas etapas ocorrem em diversos países, trata-se de uma Cadeia Global de Suprimentos, as chamadas CGS.

As atividades de concepção, engenharia, marketing & branding, fabricação, logística, assistência técnica e outras que levam um produto de uma ideia até o mercado e além é uma Cadeia de Valor. Se suas atividades ocorrem em diversos países, trata-se de uma Cadeia Global de Valor, as chamadas CGV.

Embora ambas tenham a característica de serem realizadas em diversos países e tenham nomes similares, CGS e CGV expressam conceitos distintos. Uma CGS é normalmente precedida pelas atividades de uma CGV para ser estabelecida. Mas, uma vez estabelecida, uma CGS é mais ou menos estática e pouco sujeita a modificações em sua dinâmica. Aprimoramentos nela são usualmente incrementais. Suas etapas, embora distintas, agregam margens financeiras, isto é, valor, em níveis mais ou menos similares.

As CGV são, por natureza e propósito, mutantes, incertas e até certo ponto caóticas. As CGV evoluem ao mesmo tempo em que evoluem a capacidade de inovar das empresas que as compõem e as interações e regras que compõem os Sistemas de Inovação em que as empresas estão inseridas. As diferentes atividades de uma CGV agregam níveis muito distintos de valor. A atividade de conceber um novo produto, por meio de pesquisa e desenvolvimento aplicado, ou a atividade de realizar engenharia e campanhas de marketing & branding, agregam muito mais valor que a atividade de fabricar ou transportar e distribuir insumos e produtos.

Além de gerar mais valor, as atividades mais nobres das CGV dão a quem as executa maior poder de controlar onde e quais empresas vão realizar as demais atividades. Em termos mais precisos, quem sobe os degraus do upgrading das CGV tem mais controle sobre a governança destas CGV.

A Curva Sorriso, criada em 1992 por Stan Shih, presidente da Acer, ilustra os conceitos de cadeia de valor e upgrading em suas atividades.

Curva Sorriso

Curva Sorriso

A pandemia de Covid, o conflito na Ucrânia, e outros eventos menos dramáticos, mas também relevantes, causaram reflexões em todo o mundo sobre a necessidade de rever a internalização, ou “desglobalização”, pelo menos parcial, tanto de CGS quanto de CGV.

O tema é complexo e requer ainda muitas reflexões. Por um lado, é evidente que nenhum país pode nem deve tentar se fechar e construir CGS e CGV estritamente internas. Por outro lado, há algumas atividades das CGV e etapas das CGS que, por sua criticidade e influência sobre outras atividades e etapas, precisam ser reconsideradas quanto ao local em que são exercidas.

Em países com alta taxa de desemprego, como é o caso do Brasil, parece ser prioritário o foco em CGS e em atividades menos nobres das CGV, pois estas geralmente requerem mais pessoas com menor grau de qualificação.

Porém, empresas que não ocupam degraus mais nobres nas CGV, ou não realizam etapas-chave das CGS, podem tornar-se reféns de outros eventos globais que contribuam para novas crises, como a que o Brasil passa agora. Semicondutores, fertilizantes e algumas ligas metálicas estão entre os produtos em que o Brasil tem pouca atuação tanto em suas CGS quanto em suas CGV. Isso implica vulnerabilidade e efeitos indesejáveis em indicadores econômicos e sociais dos setores associados ou dependentes destas CGS e CGV.

Isso se observa também em outros setores e segmentos econômicos, incluindo aí as CGV e CGS da indústria de óleo e gás, desde o upstream até o downstream, petroquímica e adiante.

Há um desafio que precisa ser mais bem compreendido e avaliado. Se de fato é crítico que o Brasil aumente o grau de internalização das CGS e CGV de que necessita para seu desenvolvimento econômico e social, é preciso rever o conjunto de políticas públicas que influenciaram a dinâmica que hoje temos no país. O futuro próximo deve nos trazer pelo menos parte das respostas de que necessitamos.

Telmo Ghiorzi é secretário-executivo da ABESPetro, doutor em políticas públicas e mestre em engenharia

Outros Artigos