Opinião

Avanços na abertura do mercado brasileiro de gás natural

Gerente executivo de Gás e Energia da Petrobras esclarece questões acerca dos preços do energético no Brasil

Por Rodrigo Costa Lima e Silva

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[vc_row][vc_column][vc_column_text]O processo de abertura do mercado brasileiro de gás natural, conduzido sob a liderança do governo federal com a participação de diversos agentes do setor, vem ocorrendo de forma acelerada nos últimos anos, como se observa a partir dos seguintes progressos recentes:

  • Decreto 9616/2018 – editado em dezembro de 2018, trazendo importantes diretrizes à abertura, com base no conhecimento consolidado pela iniciativa Gás para Crescer, destacando-se a organização do sistema de transporte por entrada e saída; o acesso negociado de terceiros a instalações de escoamento, processamento e regaseificação; e orientações para a abertura do mercado nos estados da federação.
  • Novo Mercado de Gás – programa criado em 2019, que acelerou ainda mais as iniciativas em curso e introduziu novas, com destaque para a edição, em junho de 2019, da Resolução CNPE 16/2018, que trouxe diretrizes e políticas a serem observadas pelos agentes do setor para abertura do mercado.
  • TCC firmado entre o Cade e a Petrobras – com esse acordo, celebrado em julho de 2019, um conjunto relevante de ações vem sendo realizado pela Petrobras, conforme cronograma estabelecido, visando à abertura do mercado brasileiro de gás natural, incentivando a entrada de novos agentes econômicos no mercado.
  • Aprovação do ajuste Sinief, em 2019, com operacionalização em curso em 2020, permitindo que diferentes agentes possam comercializar gás por meio do sistema dutoviário de transporte, já considerando a contratação do serviço de transporte no regime de entrada e saída.

Todas essas mudanças, promovidas em um intervalo de poucos anos, mostram que, no Brasil, a abertura do mercado está ocorrendo mais rapidamente do que na maioria dos demais países que passaram por processo semelhante. Nos países europeus, por exemplo, os processos de abertura levaram mais de quinze anos, sendo que alguns ainda estão em andamento.

A Petrobras considera que as mudanças em curso para a abertura de mercado conciliam os interesses da sociedade e consolidam os esforços para a criação de um modelo institucional alinhado às melhores práticas internacionais. Nesse sentido, a Petrobras, em consonância com as diretrizes vigentes:

  • Está desinvestindo integralmente dos segmentos de transporte e distribuição de gás;
    está negociando acesso de outros agentes à sua capacidade de processamento de gás;
    informou à ANP e às transportadoras as capacidades de entrada e saída de que precisará nos gasodutos de transporte, possibilitando que as capacidades remanescentes sejam ofertadas ao mercado pela ANP;
  • Iniciou processo para o arrendamento do terminal de regaseificação da Bahia; e
    assinou em março de 2020 um aditivo ao contrato com a YPFB, reduzindo o volume de compra de gás da Bolívia de 30,08 milhões m³/dia para 20 milhões m³/dia, abrindo espaço para importação direta por outros agentes
  • Com todas essas ações -- de forma alinhada à sua estratégia de negócios de atingir menor alavancagem e dar maior foco nas atividades de maior retorno, como a exploração e produção de óleo e gás do pré-sal --, a Petrobras se reposiciona no negócio de gás natural, com foco na comercialização do gás próprio, e fomenta o desenvolvimento de um mercado de gás aberto, competitivo e sustentável no Brasil.

No contexto das discussões sobre abertura do mercado, tem sido comum a realização de análises críticas sobre os preços de gás natural no Brasil, inclusive comparações com preços em outros países. No intuito de contribuir para essa discussão, apresentam-se abaixo informações para esclarecer as questões que surgem com maior frequência.

Primeiramente, é importante salientar que preços de gás natural respondem a realidades locais, sendo afetados por particularidades como balanço de oferta e demanda de mercado (se em déficit ou superávit), estrutura do mercado, marco normativo, amortização de infraestrutura, diversificação de fontes de oferta, entre outros elementos. Por isso, a comparação de preços de gás natural de diferentes regiões do mundo deve ser feita com cautela, para não induzir a falsas conclusões.

Um aspecto relevante se refere à etapa da cadeia de valor em que se faz a comparação. Algumas análises apresentam comparações entre os preços de venda do gás natural nos city-gates (pontos físicos dos sistemas de gasodutos onde ocorre a transferência de propriedade do gás da Petrobras para as distribuidoras) e cargas spot de GNL, tomando por base dados públicos, como relatórios do Ministério de Minas e Energia. Contudo, esses preços não são comparáveis. Enquanto o primeiro corresponde ao preço de venda do gás natural no ponto de recebimento da malha de distribuição das distribuidoras (city-gate), o segundo reflete um preço FOB (acrônimo de “Free on Board”), isto é, no país de origem da carga de GNL, não incorporando custos de (i) frete marítimo para entrega da carga no Brasil; (ii) internalização da carga no Brasil; (iii) regaseificação; e (iv) transporte desde a unidade regaseificadora até o citygate da distribuidora. A comparação em mesma base exigiria que ao menos essas quatro parcelas fossem somadas ao preço FOB.

Diferenças entre as etapas na cadeia de valor em que se faz a comparação são capazes de gerar, por si só, grandes distorções de valores e, portanto, de conclusões. Porém, para intensificar ainda mais essas distorções, vem uma outra questão, igualmente importante, mas geralmente desconsiderada nas análises: que o GNL é comercializado em modalidades distintas, que podem ser simplificadamente agrupadas em spot e contratual de longo prazo. No primeiro, há a comercialização de uma única carga GNL, em condições negociadas a cada momento. Em situações extremas, como as atuais, alguns exportadores podem escolher não recuperar seus custos fixos e cobrir apenas os custos variáveis de suas operações, o que significa que os preços correntemente observados para cargas de GNL são insustentáveis do ponto de vista econômico. Já os preços do GNL em contratos de longo prazo costumam ter valores estruturais, que possibilitam a remuneração adequada dos investimentos e custos da cadeia produtiva.

Nesse contexto, os preços de venda de gás natural pela Petrobras às distribuidoras nos novos contratos, iniciados em janeiro de 2020, estão alinhados com as referências de preços de importação estruturais, com uma redução média de 36%, em US$/MMBtu, em maio de 2020, em comparação a dezembro de 2019, considerando-se a cotação do dólar na data do último reajuste do contrato (30 de abril de 2020). Essa queda decorre principalmente das mudanças negociadas com as distribuidoras para os novos contratos de venda, que visaram exatamente a uma resposta mais rápida dos preços dos contratos diante da variação dos preços internacionais do petróleo.

Nesse mesmo período, a depreciação cambial no Brasil atenuou, mas não comprometeu os resultados buscados pela Petrobras de maior competitividade. Se medidos em R$/m³, os preços praticados pela Petrobras às distribuidoras (novamente, incluindo molécula e transporte) nos novos contratos em 2020 já acumulam uma redução média de cerca de 15%.

Ressalta-se, no entanto, que os preços de venda da Petrobras às distribuidoras incluem somente as parcelas de molécula e transporte. Ao se analisarem preços no consumidor final, é necessário considerar que há, também, as margens de distribuição e a incorporação dos tributos federais e estaduais. Informe elaborado pela EPE em 2019 [1] evidenciou o peso de cada parcela do preço de venda do gás (considerando-se a média de 2018), sendo: 43% molécula, 13% transporte, 17% distribuição e 25% aos impostos. Desde então, essas proporções certamente mudaram, em função da queda já ocorrida na molécula. Destaca-se também que o processo de aprovação das tarifas de gás natural aos consumidores finais é realizado por cada agência reguladora estadual, conforme legislação e regulação específicas.

Gás importado vs. gás do pré-sal

Tem sido comum a comparação entre gás do pré-sal e gás importado, sendo geralmente citado como referência para importação o GNL proveniente dos Estados Unidos. Sobre essa questão, é importante ter em mente que, enquanto o shale gas nos Estados Unidos (fonte lá usada para a produção do GNL) é produzido em terra -- a partir de técnicas específicas e apropriadas àquele tipo de formação rochosa e cadeia de bens e serviços e que experimentaram forte avanço tecnológico nos últimos anos --, o gás do pré-sal é produzido no mar a grandes distâncias da costa e profundidades. Como evidencia informe publicado pela EPE em 2019 [2], os custos do gás do pré-sal podem variar numa faixa muito larga de valores, a depender da distância à costa (que chega à casa dos 300 km, requerendo, assim, pesada infraestrutura de rotas de destinação do gás), do teor de CO2 no gás (que pode superar 40%, requerendo alto custo para sua remoção e redução ao nível permitido na comercialização, de até 3%), entre outros fatores.

Ainda sobre a avaliação dos custos do gás do pré-sal, observam-se frequentes discussões acerca da reinjeção de gás, havendo especulações sobre a relação das decisões de reinjeção tomadas pelas empresas operadoras e as incertezas acerca da demanda de mercado. Nesse ponto, é importante esclarecer que as decisões acerca do desenvolvimento da produção dos diversos campos de petróleo e gás natural obedecem a padrões estritamente técnico-econômicos e aprovados pelas autoridades competentes. Isso significa que os volumes de reinjeção são definidos no desenvolvimento da produção à luz das expectativas de longo prazo da receita oriunda da comercialização do petróleo e do gás natural, dos custos envolvidos na extração e destinação de ambos e de outras incertezas inerentes ao desenvolvimento de projetos no longo prazo.

Logo, conquanto preços baixos sejam incentivo ao consumo, preços também devem ser suficientes para viabilizar a oferta, especialmente no caso brasileiro, em que a produção offshore e seu escoamento requerem elevados investimentos; e onde o mercado é dependente de importações para ser abastecido, condição que deverá se manter a despeito da expansão da oferta [3].

Finalmente, é muito importante em todos os momentos, mas, em especial, no atual -- em que o mundo enfrenta uma crise de saúde e econômica sem precedentes na história conhecida -- que haja o devido cuidado nas análises que comparam momentos antes e depois dos eventos que originaram a crise, uma vez que informações equivocadas, desconexas e colocadas fora de contexto podem levar a discussões e conclusões que não geram benefícios à sociedade.

Rodrigo Costa Lima e Silva é gerente executivo de Gás e Energia da Petrobras

Referências:

[1] Empresa de Pesquisa Energética. Informe – Comparações de Preços de Gás Natural: Brasil e Países Selecionados. Abril de 2019. Fonte: http://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/informe-comparacoes-de-precos-de-gas-natural. Acesso em 18/5/2020.

[2] Empresa de Pesquisa Energética. Informe – Custos de Gás Natural no Pré-Sal Brasileiro. Abril de 2019. Fonte: http://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/informe-custos-de-gas-natural-no-pre-sal-brasileiro. Acesso em 18/5/2020.

[3] Empresa de Pesquisa Energética. Plano Decenal de Expansão de Energia 2029 (as páginas 186 e 187 indicam que o balanço de oferta e demanda de gás do Brasil permanecerá importador no seu horizonte de análise). Fonte: http://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-423/topico-486/07%20G%C3%A1s%20Natural.pdf. Acesso em 18/5/20. Projeções semelhantes têm sido feitas por diferentes consultorias especializadas.

Nota da edição: artigo atualizado no dia 25/5 para corrigir uma informação trocada sobre a composição da tarifa do gás. Originalmente, informava uma parcela de 17% do transporte e de 13% da distribuição, e não o contrário. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_raw_html]JTNDZGl2JTIwcm9sZSUzRCUyMm1haW4lMjIlMjBpZCUzRCUyMm5ld3NsZXR0ZXItb3Bpbmlhby02ZWY3ZjBkYWRiMWJmYzA0YTA5MyUyMiUzRSUzQyUyRmRpdiUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUyMHNyYyUzRCUyMmh0dHBzJTNBJTJGJTJGZDMzNWx1dXB1Z3N5Mi5jbG91ZGZyb250Lm5ldCUyRmpzJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zJTJGc3RhYmxlJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zLm1pbi5qcyUyMiUzRSUzQyUyRnNjcmlwdCUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUzRSUyMG5ldyUyMFJEU3RhdGlvbkZvcm1zJTI4JTI3bmV3c2xldHRlci1vcGluaWFvLTZlZjdmMGRhZGIxYmZjMDRhMDkzJTI3JTJDJTIwJTI3VUEtMjYxNDk5MTItOCUyNyUyOS5jcmVhdGVGb3JtJTI4JTI5JTNCJTNDJTJGc2NyaXB0JTNF[/vc_raw_html][/vc_column][/vc_row]

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