Opinião

ARMANDO CAVANHA: O Brasil pode sim

Por Armando

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Há temas que o Brasil poderia debater melhor, incluindo a sociedade na discussão, para direcionar suas ações futuras. Dentre eles aqui vão algumas sugestões:

1-Líderes com líderes

A Petrobras, e qualquer outra petroleira de grande porte, sabe contratar as tecnologias dos provedores de serviços de classe mundial. São estes fornecedores de bens e serviços que fazem uma aquisição sísmica em águas profundas, que constroem e vendem o software sofisticado de interpretação geofísica, que fazem o logging de formações complexas, descem uma broca a 3 mil metros de água e 6 mil de subsolo com sal, operam uma sonda a 200 km da costa.

Fabricam e lançam o pesado subsea, controlam poços críticos, constroem e operam FPSOs gigantes.

Sub-contratam os demais provedores de camadas que antecedem os equipamentos finais que utilizam, como sistemas, componentes, matéria prima, mais tecnológicos que eles próprios.

As petroleiras, elas estudam, interpretam, decidem, escolhem, contratam, gerenciam e conectam os diferentes provedores aos seus próprios processos produtivos internos.

As petroleiras ganham prêmios, como a Petrobras merecidamente ganhou diversas vezes, por saberem gerenciar todas as atividades: descobrir, colocar para produzir, ter ousadia empresarial. Principalmente na geofísica, geologia, reservas, acumulações, locações, descobertas, engenharia de reservatórios, onde residem as primeiras competências de uma empresa de óleo e gás no upstream.

E na Engenharia, com os desenhos conceituais, soluções de produção, saem para o papel para depois virarem construções, nascendo na petroleira.

A Petrobras é líder mundial em águas profundas, utilizando os provedores líderes de tecnologias de classe mundial. Que, aliás, são praticamente os mesmos fornecedores de bens e serviços que as outras petroleiras de porte usam ao redor do mundo.

Assim, líderes de uma camada do processo produtivo precisam de líderes de outras camadas, ninguém faz sozinho.

Essa é a motivação para transformar o quanto possível as empresas provedoras de bens e serviços locais em globais, fazendo-as de forma completa se tornarem fornecedores dos Líderes, assim se tornam líderes também. Obviamente não serão todas, mas podem ser muitas, o trabalho tem de começar logo. Estaremos com um mercado diferente para Óleo e Gás para bem breve, com a presença mais forte de majors internacionais no Brasil.

2-Bloquear as vulnerabilidades

Ao mesmo tempo, a Petrobras contraiu uma dívida gigante, em curto tempo. Uma gestão complicada permitiu que ela atingisse 100 bilhões de dólares de dívida, valor citado na imprensa. Gestores com muita influência no governo central apoiaram criações estranhas, como a operação única, cessão onerosa, subsídio irracional de derivados, aceleração patológica de projetos, conteúdo local punitivo. E assim mesmo a empresa sobreviveu. Só não quebrou porque não quebrou.

Muitos defenderam que a Petrobras deveria ser operadora única do pré-sal. Guardadas as devidas proporções e complexidades, seria interessante ter-se uma marca de farmácia única? Um único laboratório químico produtor de medicamentos? Uma rede única de hospitais? Uma única marca de veículos? Um único explorador e produtor de ferro, manganês ou urânio?

Quem sabe a era do petróleo perderá a sua prioridade e poderemos ficar com muito dele nas profundezas. As transformações estão vindo rapidamente, países da Europa estão civilizadamente trocando parte do petróleo por renováveis. Demora, é certo, e grande parte do hidrocarboneto não se consegue substituir. O espectro de utilização do petróleo é bastante amplo.

Há uma janela de oportunidades, uma época para a monetização destas reservas no mundo todo. Aqui temos 12 ou 13 bilhões de barris de reservas provadas, o que daria para mais de 10 anos de consumo. Pré-sal poderia, dizem, ter 20 vezes isto. Ou bem mais ainda. O petróleo poderá ser menos necessário ou ter valor menor (quem sabe dizer isto?) em 30 ou 40 anos, e o teremos em abundância, no subsolo. “A era da pedra não acabou por falta de pedra.”

Explorar e produzir em outros países não é crime, nem roubo. Não é também entregar riquezas. E, quando se incrementa a produção, aumentam-se bônus, royalties, participações especiais, empregos, impostos recolhidos, sequência de fornecedores de diversas categorias, etc. Atividades de toda natureza são carregadas e arrastadas pela produção, mesmo que de empresas privadas e/ou estrangeiras.

Reservas sim, estas devem ser da sociedade, da nação. O país deve conhecer, controlar, reverter em desenvolvimento as concessões e impostos e empregos ao longo da exploração e produção para a nação, por disponibilizá-las inteligentemente. São da nação, por isto foi criada a ANP, como em tantos lugares desenvolvidos do mundo há Agências de Estado e não há monopólios.

A Petrobras multiplicou de tamanho e competência quando perdeu o monopólio. Ela é muito qualificada, mostrou isto em diversas oportunidades e por décadas. E se a deixarem trabalhar em paz, mostrará em dobro isto novamente.

3-Conteúdo local

Uma questão complexa é a que diz que se tem de se construir o máximo no Brasil. Sem dúvida nenhuma.

Analisando o subsea árvores de natal, por exemplo, existem FMC, Aker, Cameron, GE, DrillQuip, todas estrangeiras com plantas fabris no Brasil. Logging idem, Schlumberger, Halliburton, Baker. Estão fazendo negócios, e isto é normal. Assim como as brasileiras Embraer, WEG e Tramontina fazem nos EUA ou Europa. E a Petrobras America faz no Golfo do México. E a Petrobrás Netherlands faz em Rotterdam. Aliás, a Petrobras operou no exterior -  Líbia, Iêmen, Iraque, Irã - nas décadas em que muitos geólogos e engenheiros aprenderam e puderam retornar aplicando conhecimento e experiências.

Temos pouca pesquisa conectada, universidade e indústria se misturam muito pouco, desenvolvemos insuficientemente por aqui. Somos confusos, dúbios, flutuantes, apesar de termos gente qualificada, que exportamos em grande quantidade para o mundo mais desenvolvido. Basta comparar as competências dos que ficaram por aqui, nomes como Romanelli, Spadinni...da Exploração, De Luca e Assayag da Engenharia e Produção, referências mundiais.

Os provedores globais realizam suas pesquisas essenciais e tomam decisões fora do território brasileiro. Sim, temos em topside itens locais, mas deveriam ser globais, e não só ali na esquina. Teriam de ser competitivos, senão provavelmente não sobreviverão às flutuações políticas protetivas / desprotetivas que ainda virão.

Acelerou-se um conteúdo local por muros e multas, sanfona, criação original de ex-empregados da Petrobras em ministérios e dirigentes do topo da empresa, fazendo lista e valores mínimos irreais e ilógicos. Incluindo parafusos e porcas. Deu no que deu.

4-Parcerias não são entregar a riqueza

As parcerias em E&P são uma prática mundial. Neste último período de Governo e em períodos anteriores, fizeram-se parcerias de E&P em grande quantidade com as estrangeiras. Fizeram-se muitas. Shell, Total, BP, Exxon, Galp, Repsol, Statoil, etc… E com Nacionais também, QGEP, Barra Energia, etc. O interessante é que isto não contraria o conceito da proteção das riquezas. As petroleiras participam do conhecimento e isto não se tornou um obstáculo. Tem acesso aos dados, interpretações, participam das decisões e de sua parcela de produção. O risco maior continua sendo do operador. Alguns dos que criticam hoje aparentemente participaram ativamente da continuidade dessas parcerias nas últimas décadas. Esta prática de parcerias é aceita mundialmente e ninguém quer tomar risco solitariamente.

Ser nacionalista ou patriota nem sempre é ser protetivo. Como acontece com as crianças. Devemos protegê-las até aprenderem. Depois, se as protegemos demais, não saberão sobreviver bem na vida real futura. Os animais não humanos fazem isso naturalmente e sem questionamentos.

Por que ninguém reclama que os tomógrafos, ressonância, raio-X, sejam todos estrangeiros? GE, Siemens, etc. Os termômetros também? Conteúdo local zero? Custo de saúde na veia? Fábricas de automóveis 100% estrangeiras? Nem os celulares, 100% importados?

5-Mono muita coisa

Quem sabe a Petrobras não deveria ter mais do que 50% de qualquer atividade na sequência produtiva no Brasil. Da geologia ao posto. E&P, refino, logística, etc. Não vale a pena levar a culpa de tudo neste país.

Boa parte do mundo civilizado tenta combater os domínios de um só, tanto dos que vendem, como dos que compram. Também, procura-se resolver as restrições de fontes naturais únicas.

É difícil precisar a eficácia dessas intervenções, mas percebe-se mundo afora movimentos frequentes para recompor a competitividade e a contingência.

No Brasil, não ficam claras as ações nesse sentido, a não ser para situações pontuais. Quem sabe ainda não se tenha um tratamento sistêmico para isto.

Não significa contestar a história do país, que foi construída com o que se tinha em mãos, aquilo que as forças de diferentes épocas direcionaram acontecer. São situações reais dadas, existentes.

O país poderia analisar as vantagens e riscos e o que se deseja para o futuro, para cada um dos sistemas locais não competitivos ou não contingentes.

Por exemplo, por aqui há Mono Energia, pois a maior parte da energia elétrica vem de transformação de potencial hídrico. Seria estratégico diversificar as fontes de energia com certa rapidez, reduzir a dependência de uma só. Resolver o equilíbrio com as demais fontes de energia, como térmicas a gás, nuclear, solar, eólica, etc.

Mono Refino, pois quase a totalidade do refino nacional de petróleo está sob responsabilidade de um único operador - cerca de 98%. Não é assim por imposição, mas sim por instabilidade de política e regulação. Para alguém investir em refino é necessário saber se não haverá interferência em preços, por exemplo. A situação atual não parece ser saudável para o futuro, nem para o próprio operador nem para o país. Seria importante refazer esta equação.

Mono Logística, pois a maior parte da movimentação de carga se dá por rodas em estradas e diesel no tanque - sem contingências. Logística arriscada e ineficiente. Não existe uma logística distribuída, diversificada, que permita segregar tipos e otimizar rotas nos melhores modais regionais em um país continental. Fazendo alternativas naturais.

Certamente há ganhos de produtividade por vir, com investimentos e segurança contratual futura.

Mono muita coisa.

Tudo adaptado, quase sem contingências, sem muitos padrões, sem horário firme.

Devem haver motivos consolidados na cultura e maneira de pensar. Há quem diga que é porque não há guerras, nem neve, nem tornados, a língua é indireta, o sucesso é pecado.

Hora de mexer nas mono operações com vontade e determinação, o Brasil precisa disto.

6-O maior do mundo

O maior estádio, a maior hidrelétrica, a maior ponte, a tecnologia mais sofisticada, o primeiro sistema do mundo… mas nem sempre os melhores ou mesmo funcionando.

O básico ainda é incompleto.

Não se conquistou a educação básica generalizada, uma escala de valores sólida, itens de moral seguros, os ativos da nação respeitados ao todo, nem mesmo saneamento básico satisfatório.

Não se detém as tecnologias de forma dominada nas mãos da população; mas sim a mania da sofisticação, sem a distribuição.

Os maiores e mais complexos impostos.

Uma enorme burocracia, uma das maiores violências contra policiais do mundo.

E sempre tudo por aqui tem de ser “o maior do mundo”. Quem sabe fosse melhor trocar “o maior” para “o melhor”, e “para muitos”.

Bem, isto é diagnóstico com uma percepção individual, provavelmente há visões diferentes.

Mas é certo que o Brasil poderia trocar seus direcionadores, um trabalho de convencimento, tornar o país uma potência incontestável. Temos tudo, só falta usarmos bem o que temos.

Assim, provavelmente a maioria dos brasileiros gostaria de um plano simples e claro de país, independente de governo ou presidente, com uma execução firme e determinada, resolvendo de vez o ambiente de competição e contingências. Melhor ainda com simplicidade e sem burocracias. Isto traria melhores preços, menores vulnerabilidades e maior empregabilidade aos brasileiros. Espera-se.

Armando Cavanha é professor convidado da FGV/MBA e moderador em cavanha.cafe

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