Opinião

Aperfeiçoar a governança de preços finais de derivados não é tabelar

Algo deve ser feito de imediato, com uso de mecanismos mais rígidos para acompanhamento da dinâmica do preço final de derivados de petróleo ao consumidor

Por Wagner Victer

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Nos tempos recentes, a discussão sobre o preço final de derivados líquidos de petróleo ao consumidor, em especial o diesel e a gasolina, virou uma pauta nacional e acabou se tornando um motivo de acaloradas discussões entre especialistas e leigos, sempre voltadas para a busca de eventuais culpados, e as soluções surgem em propostas no Congresso Nacional, sites, redes sociais e até em campanhas publicitárias.

Talvez a única unanimidade seja a constatação de que algo deve ser feito de imediato, com uso de mecanismos mais rígidos para acompanhamento dessa dinâmica que, na prática, só é percebida pelo consumidor final diante da bomba de combustível.

É claro que, dentro de uma análise simplificada, a formação do preço final de um derivado passa por diversas fases, que compreendem as margens da produção do petróleo até o refino, o transporte, as aditivações compulsórias de biomassa como o álcool (gasolina) e biodiesel (diesel) e a chegada às distribuidoras e ao revendedor final, que são os postos de combustíveis. Essa cadeia é difícil de monitorar por parte dos diversos agentes, pela pulverização da logística em um país com as dimensões do Brasil, dada sua complexidade e a dinâmica da velocidade das alterações que vão surgindo a partir do preço da refinaria.

Historicamente, a ANP reforçou e focou suas equipes no chamado upstream, cuja criação advém da chamada Lei do Petróleo, a Lei 9478/96, norma que, por sua vez, surgiu da modificação do Artigo 177 da Constituição Federal, e coincidiu com o movimento das primeiras concessões de blocos de petróleo realizadas no seu primeiro leilão em 1999. Ou seja: quando de sua criação, a ANP já recebeu um grande desafio, para o qual se orientou de forma prioritária.

Já no downstream, onde está o refino, até o consumidor final, a ANP não teve o mesmo ímpeto, até porque a demanda “preço final” não era o tema principal. Porém, o cenário mudou a partir de 2016, com a mudança na política de preços da Petrobras, cujo estopim foi a chamada greve dos caminhoneiros, realizada em reação aos preços do diesel, com reflexos na inflação.

Aliás, nesse contexto, um bom exemplo retirado da greve foi a tendência de absorção de incentivos pela cadeia, que ampliou suas margens de forma não atestada. Isso aconteceu, por exemplo, com a redução do ICMS da alíquota do diesel, promovida na ocasião pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, para garantir a menor alíquota à Região Sudeste. Estudos recentemente coordenados pela engenheira Magda Chambriard para a Alerj demonstraram que essa redução tributária no preço do diesel não chegou de forma significativa ao consumidor.

Ainda no período da greve nacional de 2016, para contribuir com esse processo, enviei formalmente ao então Diretor-Geral da ANP, Décio Odonne, uma sugestão a ser desenvolvida pela Agência para a melhoria de governança dos preços finais, já que os mecanismos de coleta de preços na ponta ainda eram feitos artesanalmente pela pesquisa de campo, que é uma modelagem do século passado. Não obtive resposta até hoje.

Na sugestão, defendi que seria fundamental para toda a rede de postos de revenda o desenvolvimento de uma nova sistemática de coleta de dados pela ANP, de forma que todos os postos de combustíveis divulgassem on-line e imediatamente o preço que estariam praticando para a venda de derivados como gasolina e diesel, prática que, aliás, poderia também se estender ao álcool e GNV. Desta forma, tanto a ANP quanto os órgãos de defesa do consumidor, além, é claro, dos consumidores, teriam acesso em tempo real ao preço que estaria sendo comercializado.

A partir dessas informações, não só a ANP, mas também estes órgãos de controle e sites específicos poderiam, tal qual em sistemas de supermercados, desenvolver softwares e aplicativos que demonstrassem regionalmente onde o combustível estaria sendo vendido mais barato.

O modelo não fere qualquer regra de livre mercado para atividade de revenda, pois não é um controle de preços, e sim um acompanhamento. Mais ainda: faz com que a atividade de revenda, que é regulada, proporcione governança para Agência e para a sociedade sobre flutuações de preços e também sobre reajustes. Este monitoramento em tempo real poderia se estender às notas de venda de combustíveis pelas distribuidoras para cada posto, proporcionando uma análise de dinâmica de repasse mais refinada e de aumento de margens não justificadas.

A partir desse modelo, órgãos de defesa do consumidor poderiam planejar, junto à ANP, suas atividades de fiscalização para combater eventuais cartelizações regionais, identificando movimentos atípicos por tipos de bandeiras e por velocidade. Certamente os consumidores, em médio prazo, iriam utilizar tais informações para exercer papel “regulador” por meio do poder de consumo, o que hoje já acontece, porém de forma muito básica, com o esforço arcaico de ter que ir fisicamente de posto em posto para descobrir qual deles pratica preço mais competitivo.

Com o advento da informática e da internet, disponibilizando em sites e aplicativos, seria extremamente fácil para um posto de revenda manter essa informação dinamicamente atualizada em tempo real, pois daria menos trabalho do que trocar o “placar” no qual apontam os preços na entrada dos postos, ou a alteração do valor por litro na própria bomba.

É claro que, com isso, a ANP também poderia melhor produzir com maior acurácia e rapidez seus estudos, para identificar e apontar eventuais delays de repasses de descontos ou aumentos imediatos de margens e de variação de preços entre a refinaria e os revendedores finais, através do posto de revenda nos chamados “jogos de estoques”.
Tenho certeza que, pelo grau de evolução da ANP, já podem até existir mecanismos pelos quais tais informações são recebidas, porém, estes não estão on-line, com atualizações em tempo real e de acesso público.

No século XXI, transparência se tornou parte integral da governança, e minha proposta é que essas informações possam ser disponibilizadas de maneira bastante amigável para toda sociedade e para os órgãos de controle, o que inclui as Secretarias Estaduais de Fazenda, para cálculo do ICMS aplicável. Assim, cada consumidor poderá exercer o seu direito de cidadão de verificar, no seu município, bairro ou em áreas que nele venha a definir, os preços mais competitivos.

É uma ideia barata, simples, que deve ser desenvolvida e que, sem dúvida alguma, trará benefícios tangíveis para o brasileiro como um todo.

Wagner Victer é engenheiro, administrador, ex-secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo e ex-conselheiro do CNPE

Outros Artigos