Opinião

A vez dos recursos de armazenamento no setor elétrico

Flexibilidade operativa e comercial dos recursos de armazenamento esbarra no arranjo regulatório do setor que, para fomentar a competição e reduzir o impacto das falhas de mercado de monopólios naturais, segregou atividades e restringiu pontos de intersecção

Por Tiago Barros Correia

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Em 1º de março de 2021 encerrou-se a Tomada de Subsídios nº 11/2020, organizada pela Aneel, para avaliar a necessidade de se promover adequações regulatórias para a inserção de recursos de armazenamento no setor elétrico brasileiro.

A Tomada de Subsídios foi fundamentada pela Nota Técnica nº 094/2020-SRG, que destacou a necessidade de maior inserção de recursos de armazenamento devido ao processo de transição da matriz elétrica, que tem conduzido a uma maior participação de fontes de geração variáveis como eólicas, solares e hidrelétricas sem reservatório de acumulação.

O diagnóstico apresentado pela Aneel é acertado e a iniciativa de remover as barreiras e lacunas regulatórias que impedem o desenvolvimento de modelos de negócios baseados em recursos de armazenamento é necessária e urgente, visto que contribui para resolver as principais externalidades negativas associadas à atual transição da matriz elétrica (que em todos os outros aspectos possui efeitos extremamente positivos), que é a perda de controle operativo do sistema, o que pode levar a maiores riscos de cortes de carga (blackouts e outages) e de geração (curtailment).

Nesse sentido, como os recursos de armazenamento possuem a capacidade de converter, armazenar e reconverter energia elétrica de modo controlado, podem atuar como um elemento de estabilização entre uma oferta de energia cada vez menos flexível e uma demanda com baixo nível de elasticidade às oscilações de curto prazo nos preços.

Ocorre que, todavia, existem várias opções tecnológicas para a implantação de recursos de armazenamento com diversas aplicações técnicas e comerciais que não respeitam as balizas regulatórias criadas para segregar as atividades típicas do setor elétrico de geração, transmissão, distribuição, comercialização e consumo. Assim, um recurso de armazenamento instalado no sistema poderia agregar valor social permitindo a redução da volatilidade (e da exposição) do Preço de Liquidação de Diferenças; firmando energia e aumentando o fator de capacidade de geradores; postergando investimentos em transmissão e distribuição; otimizando a gestão de congestionamentos; minimizando o custo de operação; mitigando riscos de corte de carga e de geração; e provendo serviços ancilares de regulação de frequência, reserva operacional e black-start.

Assim, a grande flexibilidade operativa e comercial dos recursos de armazenamento esbarra no arranjo regulatório do setor elétrico que, para fomentar a competição e reduzir o impacto das falhas de mercado de monopólios naturais, segregou as atividades do setor e restringiu seus pontos de intersecção. Com isso, o problema regulatório a ser enfrentado pela Aneel consiste em assegurar que os recursos de armazenamento sejam adequadamente remunerados pela integralidade dos serviços prestados, respeitando-se o atual arcabouço normativo.

A questão não é trivial e sua solução deve sopesar os custos e os benefícios de se permitir que agentes que atuam como monopólio natural, como transmissores e distribuidores, instalem e operem recursos de armazenamento, e considerar que é pouco provável que a inserção de recursos de armazenamento nos seguimentos de geração, comercialização (agregadores e virtual power plants) e consumo ocorra fora de nichos específicos sem uma profunda revisão da regulação dos mercados de capacidade, de serviços ancilares e resposta da demanda.

Nesse sentido, a boa notícia é que os principais elementos necessários para o equacionamento da questão já estão em processo de análise pelo MME, que trata da regulamentação dos mercados de capacidade criados pela Lei 14.120, e pela Aneel que avalia ajustes nos mercados de serviços ancilares e de resposta da demanda. Ademais, a Tomada de Subsídios conduzida pela Aneel deixou claro que a agência compreende a correta dimensão do problema, está comprometida com a neutralidade tecnológica e não possui preconceitos sobre a aplicação de recursos de armazenamento na distribuição e na transmissão.

 Tiago de Barros Correia é CEO da RegE Consultoria e ex-Diretor da Aneel

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