Opinião

A velocidade da transição energética e o desafio da eletrificação na periferia

Serão determinantes o passo da eletrificação, a universalização de seu acesso, a penetração dos novos motores e sua disseminação em aplicações produtivas

Por Luís Eduardo Duque Dutra

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Se existem dúvidas quanto à transição energética, elas não dizem respeito ao sentido, mas à velocidade. Serão determinantes o passo da eletrificação, a universalização de seu acesso, a penetração dos novos motores e sua disseminação em aplicações produtivas.

A questão não se resume à substituição dos combustíveis e penetração dos veículos elétricos, mas não se pode ignorar sua importância. Anualmente, as emissões de gases de efeito estufa somam cerca de 49 bilhões de toneladas de CO2 equivalentes, o transporte responde por um sexto e cerca de um décimo delas ocorre nas ruas e estradas. A mobilidade é, portanto, eixo central na mitigação das mudanças climáticas e, acima de tudo, simboliza o escopo da mudança por vir. 

Ela envolverá os veículos de passeio, carga, pesados e ônibus que, hoje, encontram-se em estágios diferentes quanto ao progresso da eletrificação. Para as embarcações navais e aeronaves, o retardo é maior e a dependência em relação aos combustíveis fósseis deve perdurar um pouco mais. Em compensação, é evidente a multiplicação de skates, patinetes, bicicletas e lambretas elétricas, além do compartilhamento e da articulação destes com trens urbanos, metrôs e veículos leves sobre trilho, também movidos à eletricidade, o que sugere ser uma solução nas grandes metrópoles do século XXI. 

Existe urgência segundo a ciência do clima e ganhar velocidade se mostra indispensável, em virtude da irreversibilidade dos impactos, mas o arranque é recente. Ainda infante, a indústria não chegou a definir nem seus regimes tecno-produtivos. No segmento de veículos de passeio e de carga leves, no qual mais progresso se fez, a acirrada competição entre as alternativas (todo elétrico, plug in, mais ou menos híbrido, movido a biocombustível, ou hidrogênio...) sinaliza o estágio inicial de desenvolvimento e o desafio pela frente. Mesmo nos países ricos, a paridade do custo total de propriedade com veículos a combustão interna só deve ser alcançada perto do final da década. 

A massificação e a escala, que reduzem custo, só virão após a definição de padrões e tecnologias, assim como após a construção das correspondentes infraestruturas, o que exige investimento de longa maturação. Não é diferente em outros setores que estarão cada vez mais interconectados, como a geração elétrica descentralizada, a armazenagem em novas baterias, a fabricação e o fornecimento de hidrogênio, as redes inteligentes de distribuição e muito mais robustas de transporte de energia. Além de dar conta da intermitência das usinas eólicas e solares e de dar espaço a muitas outras fontes (como a maremotriz, a geotermia e o biogás), a oferta deverá satisfazer um crescente consumo de eletricidade; duas a três vezes maior do que o atual e sem gerar emissões. 

Nas atividades produtivas, a transformação também está longe de ser alcançada: a eletricidade responde por um quinto do consumo energético da indústria na Europa e, ainda menos, um oitavo nos Estados Unidos. Ela é inexistente em certos segmentos. Na produção do vidro, cimento e minerais não metálicos, na qual as temperaturas são muito elevadas e na de petroquímicos, papel, celulose e químicos, em que se combinam geração de energia, calor de processo e transformação da matéria-prima, hoje, não se dispõem de alternativa à tecnologia convencional baseada em combustíveis fósseis. Nestes, a eletrificação depende de pesquisa e desenvolvimento para ser viável daqui a dez ou vinte anos.

Uma plêiade de soluções está prometida, mas todas se encontram em estágio probatório. Incluem-se o sequestro de carbono, o biocombustível de segunda geração, o hidrogênio verde, a célula combustível, a fusão do plasma, as miniusinas nucleares, o cultivo de algas marinhas... Que poderão ser capitais para o enfrentamento da questão climática. Entretanto, a despeito do anúncio de ganhos futuros extraordinários, do esforço de um número crescente de cientistas e de novos projetos nos centros mais avançados, a contribuição efetiva dessas iniciativas à matriz energética mundial restará marginal até por volta de 2030.

Voltando à eletrificação dos veículos como ilustração final, quanto à velocidade da transição, cabe destacar a diferença entre os países: ela será gritante e maior na medida em que nos deslocamos para a periferia. O fato de a Escandinávia liderar a adoção dos novos motores não surpreende. Pode ser facilmente justificado pelas políticas públicas e pelo poder aquisitivo dos compradores, além de uma mudança de comportamento, que não se espera por exemplo nos Estados Unidos e no Canadá, países onde a preferência por veículos de passageiros é o SUV, enormes devoradores de gasolina.

Também não é o que se espera na Índia, Paquistão, Turquia, África do Sul, Nigéria e Brasil, mercados largamente submotorizados. Neles, o elevado sobrepreço e a muito menor renda per capita são obstáculos ao aumento exponencial das vendas dos novos motores. Diferente do que ocorre atualmente na China, é difícil pensar que, em qualquer um deles, ocorrerá uma radical mudança do perfil da frota, com a rápida adoção de veículos inteiramente elétricos. Muito antes disso, a periferia será palco para o sucateamento da tecnologia dos motores de combustão interna. Algo que deve ocupar as duas décadas pela frente e, ao mesmo tempo, ressaltar a distância entre os países. 

Luís Eduardo Duque Dutra é Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris e Professor Adjunto da Escola de Química da UFRJ. Fernando Antonio Vidon Giordano, coautor deste artigo, é engenheiro elétrico, formado pela UERJ e pós-graduando de Economia do Petróleo e Gás pela Escola Politécnica-DEI, UFRJ.

Outros Artigos