Opinião

A Medida Provisória 998 e o início da modernização do setor

MP é um passo na direção correta e a sua essência precisa ser preservada, bloqueando os "jabutis" apresentados

Por Claudio Sales

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

O Congresso Nacional editou no início de setembro a Medida Provisória 998 (MP 998), iniciativa que abrangeu vários temas relevantes para o setor elétrico, alguns deles que tratam de correções de problemas “antigos”, e outros voltados aos primeiros passos de uma bem-vinda modernização setorial.

Apenas para se ter uma ideia da amplitude temática, o texto da MP 998 cobre: (a) a destinação de recursos tarifários previstos para alocação em projetos de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e Eficiência Energética (EE); (b) a desoneração para consumidores de distribuidoras privatizadas; (c) o fim gradual de descontos dos componentes tarifários de distribuição e transmissão de eletricidade (TUST/TUSD) para fontes incentivadas (eólica, solar, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas); (c) regras para descontratação e redução de contratos de compra de eletricidade entre usinas e distribuidoras (os “CCEARs”); (d) um mecanismo para contratação de energia e capacidade; e (e) contratação de energia nuclear.

Com tamanha diversidade, não foi surpresa a submissão de 205 emendas pelos deputados federais no exíguo prazo de três dias, mapeando os interesses defendidos pelos congressistas: alguns buscando manter privilégios, outros promovendo novos subsídios sem sustentação econômica, mas vários contribuindo para criar um setor elétrico mais equilibrado e mais competitivo.

Antes de comentar pontos específicos, é importante salientar o principal: de forma geral a MP 998 deve ser apoiada pois, além de resgatar a racionalidade econômica para alguns tabus (entre os quais o desconto para fontes incentivadas, que hoje já são plenamente competitivas e ocupam destaque na matriz elétrica, sinal claro de que o subsídio que as beneficiou cumpriu seu papel), o texto aponta na direção correta ao prever mecanismos que dão resposta a necessidades e pressões modernizantes.

Entre os mecanismos “modernizantes”, podemos citar: (i) a descontratação ou redução de contratos de forma competitiva (dando mais flexibilidade para distribuidoras sobrecontratadas e beneficiando o consumidor com custos menores); (ii) a previsão de contratação centralizada de reserva de capacidade da geração (que contribuirá para a realização de leilões que contratarão atributos que aumentam a segurança de oferta do sistema); e (iii) critérios mais firmes para o desligamento e a suspensão de fornecimento de energia de geradores, comercializadores e consumidores atrelados à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) que não cumprirem suas obrigações.

Entre os pontos de aprimoramento da MP 998, podem ser citados: (1) permitir a contratação via leilões de reserva de capacidade para usinas existentes (já construídas), e não apenas para usinas novas (a serem construídas); (2) prever que a energia de Angra 3, diferentemente do tratamento atual, passe a compor lastro para o sistema a fim de evitar sobreoferta desnecessária e diminuir o sobrecusto para os consumidores; (3) reduzir o prazo de contratação de Angra 3 previsto na MP (70 anos no total, com 50 anos iniciais e 20 anos de prorrogação); e (4) pensar em um período de transição para a realocação de recursos de P&D a fim de não interromper a contratação de projetos que podem contribuir para a modernização do setor e para a própria modicidade tarifária.

Apesar dos aprimoramentos apontados acima – que sempre existirão em comandos legais com tamanha abrangência –, a Medida Provisória 998 é um passo na direção correta e a sua essência precisa ser preservada. As tentativas de inserção oportunista (os “jabutis”) de privilégios e distorções na sua tramitação precisam ser bloqueadas pelo conjunto de parlamentares que querem construir um setor elétrico mais moderno, mais transparente e mais justo para todos os brasileiros.

É coautor deste artigo Eduardo Müller Monteiro, Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil; Claudio J. D. Sales é Presidente do Instituto Acende Brasil.

Outros Artigos