Opinião

A ética na engenharia

Percepção de que a sociedade está se tornando mais vigilante deve estar materializada nos valores formais das organizações 

Por Wagner Victer

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Recentemente, recebi um grupo de alunos do primeiro ano de Engenharia da UFRJ que tinham como tarefa preparar uma dissertação sobre “Ética na Engenharia” pela disciplina optativa “Humanidades e Ciências Sociais”. Confesso que, em um primeiro momento, me surpreendi (positivamente) com o interesse de estudantes de um curso da área das ciências exatas pelo assunto.

A dissertação teria como referência o livro “A Corrosão do caráter”, de Richard Sennett, que traz uma reflexão sobre valores éticos – tema fundamental não somente pelos diversos procedimentos e práticas organizacionais, advindos das estruturas de “compliance”, mas, principalmente, pelos casos de práticas indevidas que vieram à tona no país, em especial em segmentos econômicos importantes, como a indústria do petróleo.

É claro que a postura ética, que é delineada nos códigos internos de cada organização e que se tornou uma exigência corporativa, requer, além do seu cumprimento rigoroso ou compliance, uma atitude fundamentada em valores que são parte fundamental da carreira de cada profissional. E mais: devem ter sua origem na família, nos bancos escolares e serem desenvolvidas desde os momentos iniciais da carreira profissional, tendo no trabalho a referência dos profissionais seniores, que traduzem a cultura empresarial e transmitem os valores organizacionais.

Podem ocorrer, nas práticas diárias, circunstâncias que induzem profissionais a cometerem desvios éticos, que, muitas vezes, sequer são percebidos como tais por muitos que atuam na área de engenharia, pois acabaram se consolidando como vícios comportamentais.

No trato das matérias do cotidiano, que envolvem assuntos técnicos de engenharia, a mídia frequentemente recorre aos chamados “especialistas da engenharia”, que assumem posturas assertivas e, até em alguns casos, condenatórias, sem estabelecer qualquer condicionante, sem o pleno conhecimento da situação, do projeto e do tema técnico relacionado.

Da mesma forma, posturas omissas de organizações e profissionais que não dependem de qualquer manual ou código – mas que podem levar a situações de risco e a graves acidentes, com impactos ao meio ambiente, à vida humana e com perdas materiais significativas, como o recente e lamentável conjunto de ocorrências na atividade de mineração do país – são questões percebidas por muitos profissionais como sendo uma consequência do processo decisório, de mera subordinação a uma hierarquia organizacional, e não como sérios desvios éticos.

A percepção pelas organizações e seus profissionais de que realmente a sociedade está se tornando cada vez mais vigilante e exigente em relação aos princípios éticos deve estar materializada na definição dos valores formais da organização e claramente resolvida em seu plano estratégico.

Sendo assim, a reflexão que se impõe é que a ética nas empresas e, consequentemente, na formação profissional, em especial das áreas tecnológicas, será cada vez mais valorizada e requerida pelas partes interessadas no negócio.

Diante desse cenário, perfis éticos de profissionais das áreas tecnológicas serão avaliados a partir de dimensões que extrapolam as relações comerciais das organizações, considerando-se como elas e seus profissionais se portam em relação ao meio ambiente e definem sua responsabilidade social perante seus colaboradores e a sociedade, incluindo-se as fases dos Estudos de Viabilidade Técnica Econômica (EVTE) dos empreendimentos, agora já denominados de Estudos de Viabilidade Técnico Econômico Ambiental e Social (EVTEAS).

Essas mudanças de paradigma são apenas o começo, e, na medida em que as organizações e relações sociais evoluem, todas as partes da sociedade deixarão de ver esse tipo de comportamento como um “plus”, passando a entende-lo como o mínimo necessário para atuar no mercado.

Wagner Granja Victer é engenheiro (UFRJ) da Petrobras, bacharel em Administração (UERJ), pós-graduado em Finanças (FGV) e em Gerência de Projetos pela Harvard University.

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